Tag: União Soviética

  • O Caminho do Báltico

    O Caminho do Báltico

    O que foi o Caminho do Báltico?

    Caminho do Báltico foi uma das mais belas demonstrações pacíficas de descontentamento e contestação à União Soviética unindo a população dos três países BálticosEstôniaLetônia Lituânia. A demonstração reuniu dois milhões de pessoas, ou seja, quase um quarto do total da população das três então Repúblicas Soviéticas e entrou para o Livro dos Records como a mais longa corrente humana ao cobrir um total de 600 Km. O movimento foi um dos pontos centrais no processo político que levou a independência da União Soviética (URSS)… Artigo

  • Uma cisão no Báltico? A crise russa e os seus desdobramentos.

    Uma cisão no Báltico? A crise russa e os seus desdobramentos.

    Por Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Twitter: @erickrgzen

    • A questão russa no Báltico
    • Lituânia, Letônia e Estônia as suas diferenças
    • É possível uma política coordenada?
    • As contradições das posições anti-russas

    Nos últimos meses as tensões entre as três repúblicas do Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia) e a Rússia só se fizeram ampliar. Provocações de lado a lado em discursos inflamados. Movimentações de tropas nas fronteiras, sobrevoos de aviões militares, entre outras formas de provocação fizeram parte de um repertório pouco diplomático e profundamente agressivo. No entanto, as sanções econômicas impostas à Rússia e as medidas de taxação para negociação com moeda estrangeira da Bielorrússia e as tensões com a enorme população russa na Estônia e Letônia estão levando a este país a se separarem de uma política mais agressiva, na diplomacia, sustentada pela Lituânia

                Do ponto de vista da formação cultural e histórica as três repúblicas do Báltico tem pouco em comum. A Lituânia tem maioria católica enquanto os outros dois protestantes. Estônia e Letônia tiveram por muito uma cultura próxima à germânica, já que foram ocupados pelos cruzados daquele país ainda durante a Idade Média. A Lituânia, por sua vez, ao repelir a invasão dos cruzados germânicos, constitui um vasto Império Medieval, que acabou com a União Polonesa-Lituana. Assim, a história da região, que hoje forma as três Repúblicas se manteve em muito separado. Mesmo do ponto de vista linguístico. Há quem afirme que o lituano e o leto têm muito em comum. Eu, como aprendiz dos dois, discordo! Está longe de ser como português e espanhol, como muito se diz, uma vez que a estrutura das declinações é distinta.

                Assim, a “unidade” das três Repúblicas se deu pela primeira vez com a situação de ocupação do Império Russo, pós Guerras Napoleônicas, e com os movimentos de resistência a este. Com o fim do Império Russo, resultado da Primeira Guerra Mundial (1914 -1918) e da Revolução Russa (1917), Estônia, Letônia e Lituânia conheceram pela primeira vez a independência enquanto Estado nacional moderno. Independência essa que durou somente até o início da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), quando já no tratado de não agressão Ribbentrop-molotov, Alemanha e União Soviética dividiram em protocolos secretos aquela região em áreas de influência, vulgo ocupação. Assim, as Repúblicas foram ocupadas primeiras pelas tropas soviéticas, depois, com a derrota inicial dessas, pelos nazistas e novamente anexadas a URSS como Repúblicas Socialistas Soviéticas.

                Durante o período soviético os países foram completamente transformados, inclusive na sua composição nacional. As comunidades judaicas foram praticamente eliminadas pelo genocídio nazista. Ao longo da Guerra, parte da população de origem germânica nos bálticos também acabou por ser deslocada pelos nazistas.

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a URSS incentivou um programa de imigração de russos para os países Bálticos que teve um grande impacto na Estônia e na Letônia, que chegou por volta de 30% da população. É preciso também acrescentar que um extenso processo de deportações em massa foi levado a cabo durante a Segunda Guerra Mundial e durante o período de Stalin. Processo esse que praticamente eliminou a elite econômica e cultural do período da independência e a substituiu por uma elite vinculada aos respectivos partidos comunistas. Com isso, temos nos países Bálticos duas comunidades distintas de russos. Uma mais antiga estabelecida durante a modernidade e o Império Russo. A outra uma elite russa transplantada dentro de um projeto soviético.

                Para encurtar, e simplificar na medida do possível, durante a crise que levou ao fim da União Soviética, as três Repúblicas do Báltico tiveram o seu momento de protagonismo. Ali foi início, ou um deles, de movimentos pela independência nacional que colocou em cheque o já decadente sistema soviético. O momento mais simbólico, sem dúvida, foi o caminho do Báltico, quando a população dos três países se reuniu em uma corrente humana nas estradas da fronteira com a Rússia.

                Com o fim da URSS, cada país seguiu o seu caminho (ver post anterior), mas tentativas de cooperação, com acordos econômicos e militares sempre estiveram presente no horizonte comercial e de segurança. Recentemente, diante das tensões com  a Rússia, tratados de mutua-defesa foram ratificados e ampliados e a princípio as três Repúblicas pareciam andar juntas.

                Devido a enorme população de origem russa na Estônia e na Letônia, a crise na Ucrânia, e mesmo antes dela, despertava o medo dos lideres políticos de que essa fosse utilizada e mobilizada para permitir uma influência maior, uma intervenção e até mesmo a ocupação dos dois países. Esse medo se tornou ainda maior devido à ostensiva propaganda de Moscou realizada pelos seus meios de comunicação, em idioma russo. Até mesmo na área esportiva Moscou tem influenciado a Letônia patrocinando, via empresas de Petróleo, “ super times” de Hockey. Toda essa influência russa, também se fazia presente nas relações comercias.

                Na questão economia, há um aspecto importante para o qual devemos atentar. Em geral quando se faz uma análise econômica, se considera a produção, exportação, capacidade de financiamento e etc. No entanto, há uma dimensão cotidiana da economia que é mais difícil de ser captada. Refiro-me ao pequeno comércio, ao pequeno produtor, aos caminhoneiros que faziam transporte da Rússia para os portos bálticos. O atravessador de produtos legais – e não tão legais assim – com a fronteira da Bielorrússia. A isso poderíamos acrescentar um fluxo turístico. Enfim, todo esse microcomércio, pequenos serviços e mais os indivíduos que hora buscam por emprego na Rússia, hora no ocidente, foram os mais afetados pelas sanções a Rússia, a desvalorização da sua moeda e pelas recentes medidas de taxação tomadas pela Bielorrússia. Neste contexto, um contingente de insatisfeitos e cujo impacto econômico até então não se fazia sentir, começa a se manifestar.

                Dessas questões ficou claro, ainda mais no dia de hoje, as diferenças entre Estônia e Letônia de um lado e Lituânia do outro. Enquanto os dois primeiros se aproximam da política da Alemanha, de busca de novas soluções e diálogos, a Lituânia mantem a rigidez da sua política externa e um discurso de enfrentamento com relação a Rússia. Ontem, um novo embaixador da Lituânia foi designado para a Rússia e sua primeira declaração foi que “não buscaria novos diálogos”. Essa postura de não diálogo contradiz até mesmo a função do embaixador. Para complicar o quadro, Lituânia preparou e distribuiu um manual explicando o que deve ser feito em caso de invasão russa… Exatamente no mesmo momento, a Letônia parece querer retomar o diálogo perdido.

                O fato que parece estar cada vez mais claro para Europa, em especial para a Alemanha e a França, é que uma Rússia debilitada econômica e isolada politicamente pode causar mais danos do que resultados. Resta saber: Como será o movimento político em cada um dos países para lidar com essa nova situação? Como lidar com as pressões sociais que começam a surgir? Até que ponto um discurso nacionalista anti-russo pode continuar como elemento mobilizador diante da crise na economia? O que parece certo é que há um movimento de distanciamento entre as políticas externas dos três países e a pergunta final é: Quem ganha com isso?

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  • Legado de Cinzas: uma história da CIA

    • Resenha do livro Legacy of Ashes. The History of the CIA
    • Sobre Tim Weiner
    • A CIA e a Guerra Fria

    Não tenho dúvidas que Legacy of Ashes. The History of the CIA é a obra narrativa mais completa sobre a atuação da CIA. O livro de Tim Weiner recebeu o principal prêmio que um jornalista norte-americano pode receber: o pulitzer. Sua proposta é realizar uma história narrativa dos principais eventos sobre a CIA que se estende da sua fundação ao o que o autor considera o seu momento de maior crise, com a revelação de que o Iraque, ao contrário do que foi levado ao público, não possuía armas de destruição em massa.

    Essa longa trajetória, cobrindo aproximadamente 60 anos, é realizada em 778 páginas. Sua narrativa é clara e prende a atenção do leitor. Mesmo para um leitor estrangeiro, como eu, o vocabulário é acessível e as construções gramaticais não se prendem a desnecessários rebuscamentos. Sua pesquisa também merece destaque. Embora o autor cubra temas relacionados à inteligência americana para diversos órgãos de imprensa, não utilizou fontes que não possam ser verificadas. Com isso a narrativa histórica, feita por um competente jornalista, ganha credibilidade e não se perde nos corredores das hipóteses mirabolantes e das teorias da conspiração.

    Esse é um aspecto importante! Aquele que se propõem a escrever a história de qualquer órgão de segurança (ou de inteligência) anda sempre no fio da navalha entre as teorias da conspiração, o que veio a público e o que pode ser comprovado. A própria comprovação é, muitas vezes, o maior problema. Assim, entrar em assuntos espinhosos e ao mesmo tempo manter a sobriedade da pesquisa é algo exaustivo e cansativo. (Aqui compartilho minha experiência trabalhando com os arquivos do Deops-SP).

    Seja como for, o autor realiza o que se propõe e o que nos oferece cobre uma ampla história da CIA. Não quero dizer com isso que não caibam questionamentos às suas afirmativas. Pelo contrário! Menos ainda que ela é completa e absolutamente correta (mesmo porque isso não existe em nenhum trabalho histórico). Na realizada, o autor nos apresenta uma avaliação bastante pessimista da atuação da CIA. Demonstra exaustivamente a sua debilidade, as suas falhas e os seus erros. O principal deles, ainda segundo o autor, foi o de sempre depender da inteligência de outros países. Mostra ainda a incapacidade desta ter penetrado a URSS, durante a Guerra Fria. Narra uma quantidade enorme de operações fracassadas nas mais diversas partes do mundo, da América Latina, Ásia e Oriente Médio. Ressalta ainda alianças duvidosas com o sub-mundo em diversos países do mundo.

    De toda as trajetórias descritas pelo autor gostaria de destacar uma em particular que se refere à Europa Centro-Oriental. Logo no início da Guerra Fria, com o objetivo de levar um discurso pró-ocidente e pró-liberdade para dentro da URSS e dos demais países comunistas, a CIA junto com diversas organizações, apostou na Rádio Europa Livre. A Rádio difundia um discurso do Ocidente que poderia ser facilmente captado por qualquer rádio e que com a tecnologia então disponível era praticamente impossível bloquear sem danificar seriamente a comunicação destes países.

    Guerra Fria: a CIA e a Europa Centro-Oriental: Rádio Europa Livre.

    No delinear da Guerra Fria, uma questão que se abriu foi como lidar com aqueles que haviam escapado da União Soviética e dos países sob regime comunista da Europa Centro-Oriental. Em particular com os intelectuais que agora viviam no ocidente. Assim, os principais cabeças da CIA como, Frank Wisnes, Kennan e Allen Dulles viram uma forma muito melhor de lidar com o fervor e com a energia destes intelectuais dos exilados e decidiram por abrir um canal por trás da cortina de ferro: a Rádio Europa Livre.

    O plano teve início no final de 1948 e no início de 1949, mas foram necessários mais de dois anos para que a rádio fosse levada ao ar. Dulles se tornou o fundador do  Comitê Nacional para Europa Livre (National Committee for a Free Europe), um dos muitos frontes organizados e financiados pela CIA nos Estados Unidos. A comissão da Europa Livre incluiu o General Eisenhower, Henry Luce, os editores da Time, da revista Life e da Fortune e Cecil B. DeMille, um produtor de Hollywood, todos recrutados por Dulles e Wisner como um disfarce  para o verdadeiro propósito: a rádio se tornaria uma arma política na Guerra Fria. Assim, durante décadas pelas ondas do rádio, a CIA, com apoio de muitos intelectuais, lançou contra a chamada “cortina de ferro” um discurso anti-comunista e que incentivava a rebeldia em todos os países na Europa sob domínio comunista.

    Sobre esse aspecto, gostaria de complementar com a seguinte observação. Em muitos países, como na Lituânia atual, a rádio livre entrou na narrativa histórica como parte da resistência “nacional” contra o comunismo. Se de fato, vários lituanos trabalharam nela, ou para ela, é sempre necessário frisar esse aspecto, qual seja, tratava-se de um projeto propaganda e com uma intenção muito bem estabelecida no delinear de uma Guerra. Portanto, estava longe de ser uma atividade espontânea de resistência, como muitas vezes aparece.

    A Tragédia dos Agentes Antissoviéticos.  

    Steve Tanner era um veterano da inteligência do exército e recém egresso da Universidade de Yale, contatado por Richard Helms, poderoso diretor da CIA, em 1947. Em Munique, na Alemanha, sua missão era recrutar agentes que pudessem oferecer material de inteligência aos Estados Unidos atuando por trás da Cortina de Ferro.

    Dessa forma, quase todas as nacionalidades da União Soviética e da Europa Oriental tinham pelo menos um importante grupo, ou que se autoconsiderava importante, de emigrado, buscando pelo socorro da CIA em Munique e em Frankfurt. Alguns dos homens que Tanner investigou como potenciais espiões eram Europeus Orientais que tinham tomado o lado da Alemanha contra a Rússia. Elas incluíam pessoas com passado fascista que tentavam salvar suas carreiras tornando-se úteis aos americanos. Tanner afirmou, e estava preocupado, pois “eles estão automaticamente do nosso lado”. Outros que haviam saído da periferia da União Soviética exageravam seu poder de influência. “Esses grupos de emigrados, o seu principal objetivo é convencer o governo dos Estados Unidos da sua importância e da sua habilidade de ajudar o governo dos Estados Unidos, e então receber apoio de uma forma ou outra”.

    Para organizar suas atividades antissoviéticas, Steve Tunner estabeleceu que para receber ajuda da CIA, os emigrados deveriam ter conexões na sua terra natal e não nos cafés. Eles não deveriam estar comprometidos com o nazismo. Em dezembro de 1948, após um estudo cuidado ele finalmente parecia ter encontrado um grupo: Supremo Conselho para a Libertação da Ucrânia.

    Eles foram infiltrados, mas a União Soviética foi capaz de identificar todos eles e rapidamente os eliminou, assassinando todos eles! Ao estilo soviético… Com isso, centenas de agentes estrangeiros da CIA foram enviados para a morte na Rússia, Polônia, Romênia, Ucrânia e nos países Bálticos durante os anos 1950.

    Essas são apenas algumas das histórias tratadas por Tim Weiner, em sua obra. E por essas e outras que ele considera que o legado da CIA tenha sido um “legado de cinzas”… Ainda sobre a Europa Centro-Oriental o autor enfatiza sua incapacidade de entrar na inteligência soviética e ainda sua total surpresa diante do colapso da URSS e do regime comunista na Europa Oriental…

    Essa é uma questão bastante preocupante para a atualidade: se a inteligência americana não conseguiu compreender e entender a União Soviética, como esperar que lidem agora com a Rússia e suas ações nos países que fizeram parte da URSS? Essa vai ser  outra história.