Tag: Lituânia

  • Ucrânia: os erros de Putin

    Ucrânia: os erros de Putin

    Quando a agressão à Ucrânia teve início, as expectativa era que essa seria uma guerra rápida e a vitória da Rússia inevitável. Hoje, vemos um Putin derrotado, ao menos nos seus propósitos mais megalomaníacos de ocupação da Ucrânia.

    Mas quais foram os erros cometidos por Putin e seus seguidores?

    Preparei uma  lista deles:

    1 – Visão de mundo.  A invasão da Ucrânia é a consequência de uma visão de mundo sustentada pelo presidente Putin  e  seus seguidores. Nessa visão, a Rússia teria sido propositadamente fragilizada e ignorada, com o fim da União Soviética, o que daria legitimidade à ocupação da Ucrânia, como seu “espaço vital”, para usar as palavras dos propagandistas.

    2 –  Considera a  identidade nacional da Ucrânia uma  artificialidade. Nas suas peças de propaganda, buscava sempre associar o sentimento nacional ucraniano ao extremismo nazista, o que o levou a  duvidar da resistência ucraniana.

    3 – A ilusão de que os ucranianos que se identificam etnicamente como russos (que falam russo) aderiram às políticas do Kremlin. Ilusão compartilhada pelos russófilos de plantão.

    4 – Declínio do  Ocidente. A difusão da ideia de que o mundo vai ser governado por uma  aliança asiática. Assim, a União Europeia é apresentada como uma instituição frágil, incapaz de manter uma política própria e independente. A OTAN, como uma aliança que, apesar da sua expansão anti-russa, não conseguiria garantir mais a segurança dos seus membros e da Ucrânia. Aqui temos três avaliações erradas. 

    5 – Acreditar que por fornecer matéria prima, sobretudo o gás, para a Europa, essa seria incapaz de reagir. A reação foi brutal. As sanções, ao contrário das de 2014, provocaram danos na economia russa, que de aliada passou a ser dependente da China. Já a Europa, passo a passo ruma a outros fornecedores de gás petróleo, deixando a Rússia isolada. 

    6 –  A supremacia do Exército Russo. A propaganda russa, sobretudo aquela difundida pela RT e Sputnik, sempre mostraram as forças armadas russas, como modernizadas e eficientes. Imagem essa valorizada pela atuação na Síria. Como vemos, as ações militares foram ineficientes ao ponto de exigirem mudanças nos objetivos da guerra. Analistas apontam que a corrupção destruiu parte das forças russas, completamente despreparadas.

    7 – A irmandade com os ucranianos. Dentre as bobagens propagadas, a de que a Rússia evitaria a força total para não massacrar um povo com laços  históricos em comum foi a maior delas. Diante das derrotas russas, não foi possível esconder os massacres cometidos pelas forças russas. Essa irmandade não existe! Não existe ocupação imperialista civilizada. 

    8 – O desprezo do papel da Europa central e do Norte, como agentes na geopolítica. Polônia, países bálticos e escandinavos reagiram de forma dura e solidária a Ucrânia e passaram a exercer pressão tanto na União Europeia, quanto na Otan (com a já anunciada adesão da Finlândia e da Suécia), para ações mais decisivas, empregaram recursos vultosos, se abriram para abrigar a onda de refugiados, além de sistematicamente denunciarem a Rússia e os crimes cometidos. Assim, se tornaram protagonistas na geopolítica, deixando para trás as políticas francesas e alemãs.

    9 – A rebeldia da Belarus. Depois dos protestos dos anos anteriores, a Belarus pareceu totalmente dominada pela Rússia, mas uma coisa é domesticar o seu ditador, a outra a  sociedade civil. O que vimos na Belarus foram atos de sabotagem e resistência que dificultaram as operações russas a partir do país, ainda, satélite.

    10 – Desprezar Zelensky, enquanto liderança. Ao pressupor na fragilidade de Zelensky, a Rússia desprezou a sua capacidade de articular a resistência. Tomado como palhaço, se esqueceram de que, como  homem de mídia, ele conseguiu recriar a sua imagem e se colocar à frente do processo, fragilizando o discurso russo com relação à Ucrânia. Se Zelensky está longe de ser o herói propagado pela mídia ocidental é necessário reconhecer que  ele ganhou a mídia, gerou mobilização, se  apresentou como resistência. Em outras palavras, ao contrário da esperada fuga, ele se apresentou como resistência. 

    Diante de tantos erros, restou a Rússia a se tornar auxiliar em regiões já  em disputa e usar da chantagem nuclear para não reconhecer a vexaminosa derrota.

  • O Caminho do Báltico

    O Caminho do Báltico

    O que foi o Caminho do Báltico?

    Caminho do Báltico foi uma das mais belas demonstrações pacíficas de descontentamento e contestação à União Soviética unindo a população dos três países BálticosEstôniaLetônia Lituânia. A demonstração reuniu dois milhões de pessoas, ou seja, quase um quarto do total da população das três então Repúblicas Soviéticas e entrou para o Livro dos Records como a mais longa corrente humana ao cobrir um total de 600 Km. O movimento foi um dos pontos centrais no processo político que levou a independência da União Soviética (URSS)… Artigo

  • Gosta de filme e da Lituânia? Blog História da Lituânia!

    Gosta de filme e da Lituânia? Blog História da Lituânia!

    Se você gosta de filme sobre a Lituânia você vai gostar desse post no meu blog História da Lituânia.

    Depois de algum tempo voltei a escrever um pequeno texto sobre História da Lituânia lá no blog dedicado a Lituânia sobre um belo filme que tive a oportunidade de ver a estréia na AABS 2018 na Universidade de Stanford.

    Dá uma olhada lá no BlogHistória da Lituânia

    eValeu!

    Por: Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Para Twitter e Instagram @erickrgzen

  • Brexit: considerações e palpites.

    Brexit: considerações e palpites.

    Por que o Brexit? 

    • Os motivos do Brexit
    • A União Europeia e o Brexit: história
    • Imigração e o Brexit

    Já que estão todos dando palpites e pitacos sobre o Brexit, aqui vão os meus.Toda a campanha Brexit foi conduzida pela direita xenófoba e com um discurso saudosista e nacionalista.

    No entanto, é importante lembrar que uma parte da esquerda sempre foi crítica à União Europeia e, mesmo o líder do Partido Trabalhista, não é lá um grande entusiasta (ou não foi durante muito tempo). Para além disso, a esquerda radical apoiou a saída e uma grande parte da classe trabalhadora também. Acrescentamos que uma grande parte da classe trabalhadora é contra as políticas migratórias.

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    Com o colapso da União Soviética em 1991, ao invés da União Europeia providenciar uma espécie de Plano Marshall que pudesse desenvolver, ou colocar a Europa Oriental nos trilhos, (como a Alemanha fez com a sua parte oriental), ela optou, baseada na teoria neoliberal, por abrir as portas do mercado para o Oriente, terminando de quebrar as empresas orientais recém ingressas no capitalismo, e permitir o fluxo da mão de obra (imigração).

    O ingresso da Polônia, principalmente, e dos países do Báltico (Lituânia, Letônia e Estônia), na União Europeia provocou uma onda interna de imigração na União Europeia. Esse fluxo se somou aos fluxos imigratórios das ex-colônias da Grã-Bretanha, já “tradicionais”, e aos refugiados dos conflitos no Oriente Médio.

    Essa imigração do leste europeu foi tão grande que na Lituânia é costume dizer que “os lituanos não estão emigrando, mas estão evacuando o país”. Assim como no caso polonês, um dos principais destinos é a Grã-Bretanha.  (sobre a Lituânia e a União Europeia ler AQUI)

    E qual é o problema do Brexit?

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    Bandeiras

    A imigração em massa foi uma estratégia do capital para depreciar o custo da mão de obra na Europa Ocidental. Na Inglaterra, a conservadora Margaret Thatcher (1925 – 2013), que governou entre 1975 e 1990, foi eliminando praticamente todos os direitos trabalhistas e os sindicatos. Seu conservadorismo social e seu neoliberalismo na condução econômica eliminaram o estado de bem estar social e privatizando todos os serviços públicos.

    A partir da década de 1990, com a imigração em massa do Leste Europeu, a mais uma abundante mão de obra, disposta a trabalhar por qualquer coisa, se acomodou a ausência de direitos trabalhistas. O resultado foi o empobrecimento da classe trabalhadora e a ampliação da desigualdade em níveis que só têm paralelos na Revolução Industrial do século XIX. Com a crise de 2008, a situação se agravou ainda mais. Vale lembrar, que a Grã-Bretanha que ainda segue a cartilha neoliberal como dogma é o único país desenvolvido que ainda não superou a crise de 2008, ao contrário da Alemanha, da França e dos Estados Unidos, por exemplo.

    As possibilidades do Brexit

    Diante desse quadro temos duas saídas possíveis:

    À direita: nacionalismo, saudosismo e xenofobia. Esses sentimentos dão a ilusão de que a mera remoção dos imigrantes resolverá o problema social, com a retomada do emprego. É uma ideia falsa! Pois removidos os direitos trabalhistas a desigualdade permanece! Ou seja, enquanto as práticas neoliberais persistirem persiste a desigualdade.

    À Esquerda: a do papel do Estado na promoção da equidade social. Aí temos um problema, pois a esquerda não sabe o que fazer com os imigrantes. De um lado, ela defende os direitos individuais e o de imigrar e o multiculturalismo (no que está certa!), mas o que fazer com essa mão de obra (imigrantes) trazida estrategicamente?

    Um problema sensível da esquerda é que ela, de uma forma ou de outra, sempre conseguiu atuar no âmbito nacional, mas não conseguiu efetivamente se organizar no âmbito internacional e menos ainda dentro da União Europeia. Jamais foi capaz de propor uma reforma igualando os direitos dos trabalhadores e a legislação trabalhista, por exemplo. Pelo contrário, como no vergonhoso caso francês é a tradicional esquerda que propôs a reforma trabalhista. O resultado final, salvo o cosmopolitismo londrino e de jovens que já nem mais conseguem se ver como parte dos “trabalhadores”: a saída foi vitoriosa.

    Depois da Euforia

    Apesar da euforia da extrema direita francesa, alemã e holandesa, o brexit não é necessariamente um indicativo da vitória da direita, ao menos na Inglaterra. A situação ali parece ser bem mais complexa. Por um lado, temos a popularidade do líder trabalhista inglês, Jeremy Corbyn. Por outro, é necessário saber se os conservadores vão conseguir se manter no poder e por quanto tempo.

    Em outras palavras quem fará a transição? Em que termos ela será feita? Quais os efeitos para a economia nos próximos meses? Nesse momento, qualquer tentativa de resposta para essa questão é apenas um chute!

    Aquele que conseguir intermediar as insatisfações sairá na frente neste processo.

    Com relação ao futuro da União Europeia, ao menos nos parâmetros em que a União está dada, será difícil se manter. É de fundamental importância lembrarmos que a estrutura de poder da União Europeia foi desenvolvida a partir de múltiplos acordos. A União Europeia foi articulada através da construção de consensos e não para a solução de crises. Na verdade, a União Europeia não tem mecanismos de solução de crises! Por isso sua movimentação e as respostas às crises são muito lentas…

    Por fim, será necessário acompanhar com muita atenção como a Grã-Bretanha vai lidar com a questão dos imigrantes. Uma política restritiva terá consequências desastrosas para outros países da União Europeia, notadamente, a Polônia e os países do Báltico.

  • Apresentação dos meus livros, em palestra

    • Apresentação dos meus livros
    • Semana de História
    • Identidade em Conflito

    Boa noite a todos! Obrigado por permitirem realizar o lançamento e a apresentação dos meus livros na Semana de História, mesmo as obras não tratando do tema específico desta Semana. Por isso mesmo agradeço, mais uma vez, a coordenação e aos alunos que apoiaram a difusão do meu trabalho.

    Me cabe, nestes quinze minutos, para fazer a apresentação dos meus livros, ou os dois, nos últimos anos: Identidade em Conflito: os imigrantes lituanos na Argentina, no Brasil e no Uruguai (1924-1950) (EdUFSCar, 2014) e Mataram Alfonsas Marma: Imigração, Comunismo e Repressão (Aped, 2015). Os dois livros nasceram de uma mesma pesquisa realizada durante o meu doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e que recebeu apoio da Fapesp.

    A pergunta que muitos me fazem, quando faço a apresentação dos meus livros, é: Por que dedicar uma pesquisa a um grupo de imigrantes que é tão pequeno em número se comparados com os italianos, espanhóis, japoneses, etc.? A primeira resposta é que é justamente por isso. Os estudos migratórios sempre se dedicaram aos grupos majoritários. Não é à toa que se tornaram um tanto quanto repetitivos em tema. Assim, os grupos minoritários sempre receberam uma atenção menor.

    Como sabemos, nossa sociedade é composta de mais de uma centena de grupos de imigrantes. A imigração, emigração e migração sempre foram parte da nossa formação social. Esses movimentos devem ser considerados, portanto, como parte da nossa sociedade e receber uma atenção especial por parte dos pesquisadores sociais na sua plena diversidade. Isso tanto para temas sociais relacionados à história como às questões contemporâneas.

    Imigração, emigração e migração são temas importantes para a sociedade brasileira, basta vermos as movimentações populacionais no nosso dia-a-dia aqui mesmo no Vale do Ribeira, ou as notícias sobre as agressões sofridas por imigrantes haitianos e africanos nos dias atuais. Da mesma forma, considero importante observar os discursos sobre esses imigrantes, como as acusações de infiltração no país, de que seriam treinados militarmente ou que trariam algum tipo de ideologia política ou doutrina religiosa ao país. Essas acusações, que parecem tão novas e modernas realizadas por jovens, são bastante antigas na nossa história, cada leva de imigrante que aqui aportou as sofreu na carne. Ainda assim, esses mitos da conspiração continuam a ser difundidos por ignorantes travestidos de filósofos.

    Voltando ao tema especificamente dos meus livros, em particular do primeiro, Identidade em conflito ele recebeu certo destaque não só por tratar de um grupo minoritário, mas pela metodologia. Normalmente, as histórias sobre imigrantes europeus (e japoneses também) são apologéticas, algo como: viram, vieram e agora são parte da feliz classe média paulista, contribuindo para o país, mas mantendo alguns traços culturais de sua origem.

    Bonito! Mas aqui o que falta é justamente a História. Uma História da imigração que inclua movimentos políticos, como comunismo, fascismo, nazismo, etc. Que também inclua o tráfico humano e a prostituição. Uma História que pudesse traduzir os conflitos com o Estado brasileiro e os conflitos entre os imigrantes em seus distintos projetos políticos no Brasil.

    Para além desse aspecto, é preciso considerar que os imigrantes mantinham laços de comunicação e solidariedade com os mesmo grupos (de mesma origem) em outros países, como na Argentina e no Uruguai. Essa troca de informações, esse trânsito de pessoas foi, também, parte da formação da identidade dos imigrantes. Portanto, é necessário realizar uma História que se desprenda das formas dos Estados Nacionais.

    Grande parte da nossa escrita da história toma o Estado Nacional como um pressuposto necessário. Então, escreveríamos algo como: os lituanos no Brasil, por exemplo, mas aqui é preciso notar o quanto as fronteiras nacionais são, na realidade, permeáveis. Há uma História que está além das definições apriorísticas das fronteiras nacionais. Eis a questão: Por que delimitar os objetos de estudo de história dentro de uma fronteira nacional? Essa tentativa de superar, ou de ir além do aprisionamento dos objetos da História dentro do Estado Nação, é denominada de História transnacional.

    Essa transnacionalidade dos fenômenos imigratórios foi o que eu me propus a entender, considerando o pequeno grupo dos imigrantes lituanos como objeto de estudo.

    Isso nos leva ao segundo livro: Mataram Alfonsas Marma. Esse pequeno livro, como já mencionei, é resultado desta mesma pesquisa. Quando eu pesquisava para o meu doutorado me deparei com uma série de personagens que mereciam uma atenção em especial e Alfonsas Marma foi um deles.

    Outros dois motivos me motivaram a trabalhar nesta obra. Primeiro nós historiadores no Brasil nos dedicamos muito pouco ao gênero biografia. Normalmente, as biografias são, ainda, associadas a livros de fofocas ou das chamadas “celebridades”, muito embora tenhamos ótimos livros e excelentes pesquisas biográficas. Assim, a biografia é um gênero muito importante para nós e que devemos olhar com atenção, e eu desejava fazer um primeiro trabalho (espero que não seja o último) neste gênero.

    O segundo motivo, e esse mais complicado, se refere à violência política entre os anos de 1946 e 1949. Temos alguns documentos que apontam para ao menos 55 assassinatos políticos praticados por agentes do Estado, neste período. Entre estes crimes políticos está, justamente, o assassinato de Alfonsas Marma pela Força Pública do Estado de São Paulo.

    Quando comecei a escrever o livro, um debate que considero complicadíssimo acontecia. Era o período de início dos trabalhos da Comissão da Nacional da Verdade. A lei que estabeleceu o seu funcionamento, originalmente, previa que as investigações deveriam abranger o período de 1946 até o fim da Ditadura civil-militar, abrangendo assim as duas transições de ditaduras para democracia.

    No entanto, uma enorme pressão política, inclusive de intelectuais e militantes da esquerda, forçou a Comissão a limitar os seus trabalhos apenas sobre o período da segunda ditadura. Desta forma, todos os assassinados no período entre as ditaduras foram simplesmente abandonados…

    Esse abandono foi sem dúvida um estímulo para que eu pudesse escrever uma biografia recuperando a trajetória de um dos ativistas políticos que tinha sido deixado sem verdade, portanto, sem memória. Tenho a esperança de que outros historiadores, com o tempo, recuperem cada um dos casos.

    Espero que minha introdução e a apresentação dos meus livros tenha sido um convite à leitura. Desde a publicação dos dois livros já tomei muitas broncas e tive uma dezena de brigas por conta das minhas ideias.Isso significa que se os livros não são bons… Ao menos não puderam ser ignorados!

    Obrigado a todos e boa noite!

  • Um Crime político na década 1940

    Um Crime político na década 1940

    • Um Crime Político
    • Mataram Alfonsas Marma
    • Imigração Lituana
    Apresentação do Livro!

    Na narrativa oficial da história da nossa República o fim do período de governo de Getúlio Vargas (1930 – 1945) é denominado democrático. No entanto, um olhar mais acurado sobre o governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 – 1951) nos revela que, apesar da aprovação de uma nova carta constitucional em 1946, esteve longe de ser plenamente democrático, pelo contrário, a repressão política e os crimes políticos foram uma constante. Nesse livro analisamos um crime político: o massacre de Tupã, no qual morreu Alfonsas Marma.

    Capa. Mataram Alfonsas Marma.
    Capa. Mataram Alfonsas Marma.

    Durante o período Dutra estima-se que aproximadamente 50 militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) tenham sido assassinados pelas forças repressivas do Estado. Muitas dessas histórias e desses personagens permanecem desconhecidos da nossa sociedade, longe tanto da nossa história, como da nossa memória política. Memória essa que ficou ainda mais distante quando a Comissão da Verdade, decidiu, após receber pressão de organizações sociais e intelectuais, que seriam investigados os crimes políticos cometidos somente durante o Regime Militar.

    Não quero aqui reacender esse debate! Mas vale lembrar que o principal argumento era que não se deveria misturar o que ocorreu em um período de exceção, autoritário, com um período de liberdade democrática. Bom, considerando o período Dutra essa distinção é uma bobagem. Para além, na nossa história republicana, o assassinato político, sempre foi mais uma regra do que uma exceção. No mais, no Brasil sabemos que é possível reunir regra e exceção, democracia e autoritarismo ao mesmo tempo.

    Um crime político no governo Dutra

    O governo Dutra foi em tese pautado pela aprovação de uma nova constituição e de um processo eleitoral que não só deu legalidade ao Partido Comunista Brasileiro como fez de Luís Carlos Prestes um vitorioso nas urnas. Eis que uma armação política realizada pelo PTB recolocou o PCB na ilegalidade e todos os representantes legitimamente eleitos foram caçados. A partir desse momento o que se viu foi que a polícia política, como o Deops em São Paulo, deu início a uma implacável perseguição aos militantes políticos do PCB.

    Esse é um ponto a ser notado. A ruptura de regime do Estado Novo (1937 – 1945) para a democracia não significou uma mudança nas estruturas das instituições. Ou seja, as mesmas práticas, e os mesmos indivíduos, que atuavam na repressão durante o varguismo continuaram a atuar no governo Dutra. Essa manutenção das instituições repressivas e até mesmo o seu aprimoramento é que permitiram uma repressão tão feroz.

    Especificamente no caso de São Paulo, durante o governo de Adhemar de Barros o Deops, passou por mudanças estruturais sendo mesmo criada uma Delegacia de Expulsandos, mais tarde renomeada para que o propósito de deter e expulsar estrangeiros não ficasse tão evidente.

    Mataram Alfonsas Marma

    Se a Comissão da Verdade não fez o processo de investigação dos crimes políticos no pós-Varguismo cabe a nós historiadores fazermos. Eis, portanto, a pequena contribuição que quis oferecer com a história de um dos assassinatos cometidos pela polícia durante o processo repressivo de 1948-1949. Procurei traçar na forma biográfica a trajetória do imigrante lituano Alfonsas Marma que desde jovem participou das atividades políticas e sociais entre os lituanos na cidade de São Paulo.

    Aprendeu a função de gráfico ao trabalhar em diversos jornais. Foi preso e expulso do Brasil em 1930. No Uruguai, onde se estabeleceu, ajudou na formação dos principais jornais em idioma lituano naquele país. Retornou clandestinamente e voltou a atuar nas principais organizações e jornais lituanos até ser novamente preso e, após ser libertado, assassinado pela polícia.

    Essa é apenas uma das mais de 50 histórias que ainda devem ser recuperadas para que possamos entender melhor a nossa República, a nossa história política e o lugar que a violência e os crimes de Estado ocupam nessa.

    Referência:

    E.R.G. ZEN. Mataram Alfonsas Marma. Imigração, Comunismo e Repressão. Rio de Janeiro: Aped, 2015.

    Para Adquirir

    O livro pode ser adquirido AQUI

  • Uma cisão no Báltico? A crise russa e os seus desdobramentos.

    Uma cisão no Báltico? A crise russa e os seus desdobramentos.

    Por Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Twitter: @erickrgzen

    • A questão russa no Báltico
    • Lituânia, Letônia e Estônia as suas diferenças
    • É possível uma política coordenada?
    • As contradições das posições anti-russas

    Nos últimos meses as tensões entre as três repúblicas do Báltico (Estônia, Letônia e Lituânia) e a Rússia só se fizeram ampliar. Provocações de lado a lado em discursos inflamados. Movimentações de tropas nas fronteiras, sobrevoos de aviões militares, entre outras formas de provocação fizeram parte de um repertório pouco diplomático e profundamente agressivo. No entanto, as sanções econômicas impostas à Rússia e as medidas de taxação para negociação com moeda estrangeira da Bielorrússia e as tensões com a enorme população russa na Estônia e Letônia estão levando a este país a se separarem de uma política mais agressiva, na diplomacia, sustentada pela Lituânia

                Do ponto de vista da formação cultural e histórica as três repúblicas do Báltico tem pouco em comum. A Lituânia tem maioria católica enquanto os outros dois protestantes. Estônia e Letônia tiveram por muito uma cultura próxima à germânica, já que foram ocupados pelos cruzados daquele país ainda durante a Idade Média. A Lituânia, por sua vez, ao repelir a invasão dos cruzados germânicos, constitui um vasto Império Medieval, que acabou com a União Polonesa-Lituana. Assim, a história da região, que hoje forma as três Repúblicas se manteve em muito separado. Mesmo do ponto de vista linguístico. Há quem afirme que o lituano e o leto têm muito em comum. Eu, como aprendiz dos dois, discordo! Está longe de ser como português e espanhol, como muito se diz, uma vez que a estrutura das declinações é distinta.

                Assim, a “unidade” das três Repúblicas se deu pela primeira vez com a situação de ocupação do Império Russo, pós Guerras Napoleônicas, e com os movimentos de resistência a este. Com o fim do Império Russo, resultado da Primeira Guerra Mundial (1914 -1918) e da Revolução Russa (1917), Estônia, Letônia e Lituânia conheceram pela primeira vez a independência enquanto Estado nacional moderno. Independência essa que durou somente até o início da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), quando já no tratado de não agressão Ribbentrop-molotov, Alemanha e União Soviética dividiram em protocolos secretos aquela região em áreas de influência, vulgo ocupação. Assim, as Repúblicas foram ocupadas primeiras pelas tropas soviéticas, depois, com a derrota inicial dessas, pelos nazistas e novamente anexadas a URSS como Repúblicas Socialistas Soviéticas.

                Durante o período soviético os países foram completamente transformados, inclusive na sua composição nacional. As comunidades judaicas foram praticamente eliminadas pelo genocídio nazista. Ao longo da Guerra, parte da população de origem germânica nos bálticos também acabou por ser deslocada pelos nazistas.

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a URSS incentivou um programa de imigração de russos para os países Bálticos que teve um grande impacto na Estônia e na Letônia, que chegou por volta de 30% da população. É preciso também acrescentar que um extenso processo de deportações em massa foi levado a cabo durante a Segunda Guerra Mundial e durante o período de Stalin. Processo esse que praticamente eliminou a elite econômica e cultural do período da independência e a substituiu por uma elite vinculada aos respectivos partidos comunistas. Com isso, temos nos países Bálticos duas comunidades distintas de russos. Uma mais antiga estabelecida durante a modernidade e o Império Russo. A outra uma elite russa transplantada dentro de um projeto soviético.

                Para encurtar, e simplificar na medida do possível, durante a crise que levou ao fim da União Soviética, as três Repúblicas do Báltico tiveram o seu momento de protagonismo. Ali foi início, ou um deles, de movimentos pela independência nacional que colocou em cheque o já decadente sistema soviético. O momento mais simbólico, sem dúvida, foi o caminho do Báltico, quando a população dos três países se reuniu em uma corrente humana nas estradas da fronteira com a Rússia.

                Com o fim da URSS, cada país seguiu o seu caminho (ver post anterior), mas tentativas de cooperação, com acordos econômicos e militares sempre estiveram presente no horizonte comercial e de segurança. Recentemente, diante das tensões com  a Rússia, tratados de mutua-defesa foram ratificados e ampliados e a princípio as três Repúblicas pareciam andar juntas.

                Devido a enorme população de origem russa na Estônia e na Letônia, a crise na Ucrânia, e mesmo antes dela, despertava o medo dos lideres políticos de que essa fosse utilizada e mobilizada para permitir uma influência maior, uma intervenção e até mesmo a ocupação dos dois países. Esse medo se tornou ainda maior devido à ostensiva propaganda de Moscou realizada pelos seus meios de comunicação, em idioma russo. Até mesmo na área esportiva Moscou tem influenciado a Letônia patrocinando, via empresas de Petróleo, “ super times” de Hockey. Toda essa influência russa, também se fazia presente nas relações comercias.

                Na questão economia, há um aspecto importante para o qual devemos atentar. Em geral quando se faz uma análise econômica, se considera a produção, exportação, capacidade de financiamento e etc. No entanto, há uma dimensão cotidiana da economia que é mais difícil de ser captada. Refiro-me ao pequeno comércio, ao pequeno produtor, aos caminhoneiros que faziam transporte da Rússia para os portos bálticos. O atravessador de produtos legais – e não tão legais assim – com a fronteira da Bielorrússia. A isso poderíamos acrescentar um fluxo turístico. Enfim, todo esse microcomércio, pequenos serviços e mais os indivíduos que hora buscam por emprego na Rússia, hora no ocidente, foram os mais afetados pelas sanções a Rússia, a desvalorização da sua moeda e pelas recentes medidas de taxação tomadas pela Bielorrússia. Neste contexto, um contingente de insatisfeitos e cujo impacto econômico até então não se fazia sentir, começa a se manifestar.

                Dessas questões ficou claro, ainda mais no dia de hoje, as diferenças entre Estônia e Letônia de um lado e Lituânia do outro. Enquanto os dois primeiros se aproximam da política da Alemanha, de busca de novas soluções e diálogos, a Lituânia mantem a rigidez da sua política externa e um discurso de enfrentamento com relação a Rússia. Ontem, um novo embaixador da Lituânia foi designado para a Rússia e sua primeira declaração foi que “não buscaria novos diálogos”. Essa postura de não diálogo contradiz até mesmo a função do embaixador. Para complicar o quadro, Lituânia preparou e distribuiu um manual explicando o que deve ser feito em caso de invasão russa… Exatamente no mesmo momento, a Letônia parece querer retomar o diálogo perdido.

                O fato que parece estar cada vez mais claro para Europa, em especial para a Alemanha e a França, é que uma Rússia debilitada econômica e isolada politicamente pode causar mais danos do que resultados. Resta saber: Como será o movimento político em cada um dos países para lidar com essa nova situação? Como lidar com as pressões sociais que começam a surgir? Até que ponto um discurso nacionalista anti-russo pode continuar como elemento mobilizador diante da crise na economia? O que parece certo é que há um movimento de distanciamento entre as políticas externas dos três países e a pergunta final é: Quem ganha com isso?

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  • Livro novo: Identidade em Conflito.

    Livro novo: Identidade em Conflito.

    Por Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    @erickrgzen

    Caros amigos,

    Finalmente, com alegria, posso anunciar que meu novo livro foi publicado: Identidade em Conflito: Os imigrantes lituanos na Argentina, no Brasil e no Uruguai. A obra foi publicada pela EdUFSCar e contou com o apoio Fapesp, que também concedeu a bolsa de doutorado possibilitou a pesquisa.

    O livro, de uma forma geral, consiste na tese defendida na Universidade de São Paulo (USP) como resultado da minha pesquisa de doutorado em História Social. Claro, que o tempo, e as novas leituras ao longo dos últimos anos permitiu melhorar e aprimorar o texto original. No mesmo sentido, e sempre para melhor, o livro pediu algumas adaptações.

    Leitura do primeiro parágrafo do livro

    Meu trabalho de pesquisa consistiu em analisar as formas de estruturação e as relações entre as comunidades lituanas radicadas na Argentina, no Brasil e no Uruguai. De forma comparada, buscar compreender as referências identitárias deste grupo nacional durante o processo de desenraizamento territorial e a formação dos laços de solidariedade ao longo do processo de inserção nos diferentes Estados nacionais. Ao mesmo tempo, demonstrar como estas comunidades se relacionavam para além das fronteiras dos países em que se estabeleceram, construindo intercâmbios de experiências e organizando movimentos sociais e políticos.

    Busquei, com isso elaborar uma abordagem transnacional preocupada sobretudo com a circulação das ideias e as mobilizações políticas, em particular, em um momento de radicalização e de intensas mudanças tanto para os países latino-americanos, como para a Lituânia.

    Esperamos que o resultado tenha sido satisfatório e para quem quiser conhecer a obra ela pode ser adquirida no site da editora. O lançamento será nas próximas semanas…

    • O livro pode ser adquirido pelo site da editora da UFSCar AQUI  
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