Categoria: Crônica

  • Sanders: a solidão e a imagem do fim de uma geração. (Crônica do dia)

    Sanders: a solidão e a imagem do fim de uma geração. (Crônica do dia)

    A solidão de Sanders é a imagem do fim de uma geração. O Senador se tornou o meme mais compartilhado no dia, e nos dias seguintes, ao da posse do presidente Biden. A fotografia de Bernie Sanders solitário, com frio, sentado tranquilamente, em uma pose que parecia de Yoga. Como os tempos são difíceis estava mascarado, como pede os protocolos de segurança e o bom senso em tempos pandêmicos. A imagem virou a graça da internet que o recortou e colocou nas mais diferentes e risíveis situações. São assim os memes! Mas a solidão de Sanders pode ser bem interpretada como o fim de uma era para esquerda.

    Ao longo de toda sua carreira como ativista social e político, Sanders sempre buscou unir duas pontas da política: o socialismo e a democracia. Socialismo entendido como a busca pela igualdade. Democracia compreendida como participação popular, representação e as liberdade civis. As duas pontas se uniam na ideia de que é possível, dentro do jogo democrático norte americano, formar uma sociedade livre e igualitária. Ou ao menos, mais livre e mais igualitária do que a atual. (Sobre as ideias de Sanders)

    Sanders e a Defesa do Socialismo Democrático.

    Sanders veio de uma geração talhada pelas dificuldades do pós-segunda guerra mundial. Como um judeu do Brooklyn passou pelas dificuldades de um trabalhador e as discriminações (antissemitismo) que ainda eram recorrentes. Aproveitou as oportunidades do crescimento econômico das décadas de 1950, 1960 e 1970 para se formar intelectualmente. Ao mesmo tempo, viu a desigualdade em um país racista. A luta dos negros pelos direitos civis e a luta contra as intervenções militares e pela paz marcaram os seus anos de formação. Ele se uniu a elas e foi preso.

    A luta de Sanders estava pautada na visão que se formou naqueles anos. Mais tarde, como governador e Senador as colocou em prática. Votou, e foi um dos poucos, contra a guerra no Iraque, contrariando os líderes de seu partido. Lutou por um sistema de saúde público, pelos direitos das mulheres, negros e latinos. Por sua postura foi ridicularizado, até mesmo por Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos e por Kamala Harris, a primeira mulher negra, latina e asiática, a ser vice-presidente.

    A solidão de Sanders, na posse, contrasta com as praças que lotou em 2015 e 2016, com multidões que o seguia entusiasmada. Ainda assim, ele foi derrotado por Hilary Clinton, a burocracia do Partido Democrático e o status quo liberal. A história nós sabemos. Ele caiu fora. Clinton foi derrotada. Anos de desastre se seguiram com Trump.

    A esperança reacendeu! Novamente, Sanders poderia derrotar todos os pré-candidatos Democratas, mas o partido se uniu contra ele. Coisas terríveis e mentirosas foram espalhadas. Ele venceu prévias, mas a pandemia… A pandemia mudou o jogo! O Partido se uniu e Biden, vice de Obama foi o escolhido. Acabava ali a última oportunidade de uma geração de socialistas democratas chegar ao poder.

    O fim? O Destino de Sanders e Corbyn…

    Quase ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, Jeremy Corbyn, foi derrotado por seu próprio partido. Em comum, os dois, acreditavam que era possível, aos poucos, dentro do sistema, levar a ideia de igualdade e democracia adiante… Não conseguiram! Com a suas derrotas foram derrotadas também toda uma geração de lutadores sociais. Sanders, como Corbyn, estão solitários e mais longe do poder.

    A sorte é que talvez eles já tenham inspirado uma nova geração. Na foto, Sanders está só, mas é só na fotografia! Com ele, há uma multidão de jovens já lutando com os mesmos ideais e que não esqueceram da luta, da coerência e dos discursos dele. Ele saiu da disputa pela presidência, tornou uma inspiração.

  • Hiperinflação: uma memória quase afetiva.

    Hiperinflação: uma memória quase afetiva.

    Para quem nasceu depois do período de hiperinflação, eu quero compartilhar como era viver nesse mundo, usando minha memória quase afetiva. Afinal, “a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”, diria Albert Einstein.

    A hiperinflação na minha infância.

    1 – Quando tinha idade suficiente para comprar na cantina da escola, minha mãe me dava uma nota de 100 (não lembro a moeda) na primeira semana, com ela, eu comprava um salgado, um “refri” e vinte balinhas (aquela vermelha embrulhada em papel prateado). Eu enchi o bolso de balinhas me sentia rico por isso. Na semana seguinte, com os mesmos 100, vinham dez balinhas e na outra cinco… No final do mês, minha mãe me dava uma nota de 100 e uma de 50 e só dava comprava o salgado o “refri” e sete balinhas. Enfim, nunca mais enchi os bolsos de balinhas.

    2 – Como os preços mudavam quase todo dia, e na época eram marcados com etiqueta no produto, o supermercado virava uma caça ao tesouro. A aventura era buscar as latas que estavam com preço “antigo”. Aí você enfiava a mão na prateleira e ficava buscando as latas lá no fundo. Eu era “pró” em achar lata de pêssego em caldas e achocolatado, com preço antigo.

    3 – Quando meus pais recebiam o salário, saiamos como doidos para fazer compras, já que no outro dia poderia estar mais caro, e dependendo da época faltar produtos. Pena que tudo mundo fazia a mesma coisa. Os supermercados tinham filas enormes e pessoas com dois três carrinhos, comprando tudo o que dava no mesmo dia. Alguns supermercados limitavam um carrinho por pessoa, mas aí as famílias inteiras se aventuravam nos supermercados. Era o dia do supermercado.

    4 – Fila da Coca-Cola era outro problema e quando tinha promoção dobrava! Dobrava, triplicava. Eram as garrafas de vidro em

    Na Casa da Classe Média

    5 – A galera da classe média tinha freezer em casa. Tinha um freezer que era um pouco menor que a geladeira. E tinha (mais chic) a geladeira com duas portas. Porque você tinha que comprar tudo de uma vez, então você comprava toda a mistura do mês (as vezes de dois meses) e congelava. Era um tal de congelar carne moída, salsicha (sim salsicha!) e frango. O Freezer tinha que estar cheio, porque como energia custa, só é viável se ele estiver todo cheio.

    6- Naquele período de hiperinflação também houve, na classe média, a acessibilidade ao microondas. Então, eram um tal de congelar no freezer e descongelar no microondas. Até pão! Sim, pão…

    7 – Combustível também era um problema. Os carros consumiam muito na época e era gasolina ou álcool. As filas se espremiam pelas avenidas até chagar no posto. Alguns com preços suspeitos, muito suspeitos. Mas tanque cheio e ir equilibrando no mês era fundamental para “chegar ao fim do mês”.

    E Se Não Fosse o Humor…

    8 – O gatilho salarial era quando o acumulado da inflação chegava em 20%, os salários eram automaticamente reajustados. Ou seja, basicamente você diminuía o consumo da galera e quando estava prestes a matar o consumo (e as pessoas de fome) você reajustava o salário em uma pancada. Óbvio que deu errado, porque quando o salário era reajustado todo mundo reajustava tudo e a inflação ia para a lua.

    Para fazer piada, com o que já era piada, Jô Soares, que tinha um quadro que chamava O Jornal do Gordo um “jornal para as pessoas mais ou menos surdas”. Um comediante lia a notícia e o Jo interpretava de forma distorcida com gestos e objetos. Daí liam a noticia lá: “De acordo com o Ministro fulano o gatilho vai disparar nesse mês.”Eu o Jo saia berrando: “o gatilho! O gatilho vai disparar” e puxava uma arma e sai dando tiro “vai disparar o gatilhooo! “ Melhor que essa era só o: “Bota ponta Tele!”(Sim na época ainda se jogava futebol com ponta esquerda e ponta direita)

    Jornal do Gordo.

  • Joe Rogan e Bernie Sanders x Status Quo Democrata

    Essa semana foi um show de horrores na prévia Democrata. Sanders na frente com a primeira votação das prévias no radar mexeu com os nervos do status quo Democrata.

    Elizabeth Warren, a outra suposta candidatura progressista, tentou uma bala de prata identitária, acusando Sanders de machismo (que homem branco ainda não foi acusado de machismo levanta a mão) por uma suposta fala privada. Deu errado!

    Já Hillary Clinton foi no mesmo caminho de “ninguém que trabalhar com Sanders”. O bilionário Bloomberg jogou milhões para conseguir alguma visibilidade na mídia, com o objetivo de deter Sanders.

    Mas tudo isso ainda se somou a uma canalhice quando Joe Rogan disse que: “estou pensando em votar no Sanders”. Rogan é famoso pelos seus comentários de UFC, MMA e milhares de maravilhosas entrevistas em seu podcast Joe Rogan Experience, um dos mais escutados do mundo.

    Para quem não conhece seu podcast (e YouTube) consiste em entrevistas com os mais variados tipos de pessoas de direita à esquerda, de malucos da conspiração até físicos de Harvard. Do próprio Sanders a lutadores de MMA… Não raramente fumando vários tipos de maconha (na Califórnia é legal!) ou comendo cogumelo. Tem a famosa imagem do Elon Musck fumando que circulou no Brasil.

    Bom, a declaração de Joe Rogan foi o suficiente para gente liberal politicamente correta do status quo Democrata e da mídia descerem o pau no Sanders como, populista, diálogo com a extrema direita, etc. E como não poderia faltar uma dose de identitarismo.

    A polêmica principal se deu porque Rogan criticou lutadoras transgênicas de participarem da luta de MMA. O caso que ele se revoltou foi de uma “mulher” transgênica que sem avisar da sua mudança de sexo entrou no octógono e quebrou, literalmente, quebrou o rosto da sua adversária e ganhou as lutas.

    Rogan ficou indignado com a falta de critério e colocou a pergunta: pode alguém que treinou arte marcial e foi treinado por 32 anos como homem lutar como uma mulher dois anos depois da sua “transformação”?

    A resposta foi NÃO!

    Rogan foi criticado como transfobico e homofóbico. Alegação ridícula! Basta escutar as entrevistas que ele realizou com homossexuais e transexuais em seu programa…

    Claro, Rogan não usa o vocabulário da mídia liberal politicamente correta e fala mais como um cara do subúrbio de uma metrópole americana. Não adotou a novílingua dos movimentos identitários.

    Ele também tem alguns “defeitos” a vista dos identitários da androginia pós-moderna! Ele gosta de caçar e pescar, tem armas, fuma, bebe, prática lutas marciais, faz piada de gosto duvidoso e impróprias, elogia mulheres por sua beleza, gosta de esportes, caga para opinião alheia, acha veganismo e vegetarismo no Ocidente um modismo complicado, por assim dizer.

    No fim, o tiro saiu pela culatra! Sanders está na frente! Rogan continua com uma puta audiência. E como vemos, mais uma vez, o identitarismo sendo usado como uma arma contra a esquerda.

  • Gosta de filme e da Lituânia? Blog História da Lituânia!

    Gosta de filme e da Lituânia? Blog História da Lituânia!

    Se você gosta de filme sobre a Lituânia você vai gostar desse post no meu blog História da Lituânia.

    Depois de algum tempo voltei a escrever um pequeno texto sobre História da Lituânia lá no blog dedicado a Lituânia sobre um belo filme que tive a oportunidade de ver a estréia na AABS 2018 na Universidade de Stanford.

    Dá uma olhada lá no BlogHistória da Lituânia

    eValeu!

    Por: Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Para Twitter e Instagram @erickrgzen

  • Músicas Sobre Nova York. É Possível Traduzi-la?

    Músicas Sobre Nova York. É Possível Traduzi-la?

    Por Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Twitter: @erickrgzen

    Músicas Sobre Nova York. É Possível Traduzi-la?…Depois de um ano, quase, vivendo, morrendo, me apaixonando e odiando a organização, a loucura e caos. O concreto. O ferro! A limpeza e o lixo na rua. Os esquilos e os ratos. O rap, blues, punk, a Broadway e a vanguarda… Eu fiz uma lista de músicas sobre Nova York.

    Nova York se funde em muitas em seu ar liberal de gente que não para. Mesmo quando descansa o sujeito de Nova York inventa o que fazer. Tem que ler no parque no domingo. Jogar alguma coisa. Correr! Cuidar da saúde, ganhar dinheiro, parecer rico…

    Os protestos e as greves. A vida importa e quase não importa. O racismo, a violência, as drogas… O sonho Americano na Wall Street. A estátua da Liberdade que nos lembra da beleza da sua sociedade civil. E o Harlem. O Harlem é outra cidade… O Brooklyn já foi outra cidade! Já foi Nova York e agora parece Miami…

    Se palavras me faltam resolvi fazer uma lista de músicas. Tão caótica quanto a própria cidade! Tente gostar de alguma delas.

    Obs: E depois que eu escrevi, encontrei uma enorme lista com, supostamente, todas as músicas que citam Nova York. Confira AQUI

  • Morar no Harlem: Hotel Theresa

    Morar no Harlem: Hotel Theresa

    Por: Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Twitter: @erickrgzen

    Encontrar com o Hotel Theresa foi uma das minhas primeiras surpresas, quando cheguei a Nova York e fui morar no Harlem. Entrar no Harlem é encontrar uma parte dos Estados Unidos que fica, muitas vezes, oculta aos olhos dos turistas. Na realidade, é comum vermos o brasileiro de classe média confundir a Disneyland com a sociedade americana. Longe dos bichinhos de Orlando, da coisa brega de Miami e dos espetáculos para o público do terceiro mundo da Broadway, a sociedade americana é muito mais complexa, plural, repleta de contradições e conflitos.

    São essas contradições e conflitos que encontramos em um bairro historicamente composto por maioria negra e latina (e de negros latinos) como é o Harlem. Em cada uma das suas esquinas e das suas construções, esse bairro de trabalhadores guarda a história de luta e sofrimento dos que não foram plenamente favorecidos pelo sonho americano.

    Assim, decidi escrever alguns pequenos textos sobre o lugar onde agora resido e suas localidades históricas. Não escolhi escrever por tema ou importância e ainda não sou capaz (e não sei se serei) de escrever uma história geral do bairro. De uma forma livre, a partir das minhas caminhadas, encontros e desencontros, vou buscar contar algumas de suas histórias.

    Hotel Thereza

    Descendo a Rua 125 olho para o horizonte e vejo um enorme prédio branco e antigo. Lá no alto o letreiro indica Hotel Theresa. O hotel ficou conhecido por ser o primeiro a acabar com a segregação racial e pelos encontros inusitados que ali aconteceram.

    Fidel Castro no Harlem.

    Quando Fidel Castro veio a Nova York para discursar na ONU, após a Revolução Cubana, teve muita dificuldade em ser aceito nos hotéis da cidade. Por má vontade dos proprietários de hotéis solidários aos seus pares cubanos que perderam seu negócio devido à Revolução, pelas pressões do governo e por todo o movimento anti-comunista que se lançava contra Cuba, nenhum hotel se dispôs a aceitar a delegação cubana.

    Eis que um hotel, confortável, mas menos luxuoso que seus pares no centro financeiro de Manhattan, resolveu abrir as suas portas. O Hotel Theresa era um dos poucos hotéis em Nova York cujo proprietário era negro. Seu nome era Love B. Woods e em 1940 colocou fim à segregação racial no estabelecimento. Sua justificativa para aceitar Fidel Castro e os demais membros da delegação cubana foi extraordinário, disse ele: “como negro americano eu sei o que é ser rejeitado”.

    Foi assim que Fidel Castro chegou ao Harlem e com ele uma tropa de curiosos, políticos e do FBI que monitorou cada encontro, cada conversa que teve o líder cubano. E ali na Rua 125 foram realizados encontros políticos de personagens que marcaram o século XX.

    Um dos visitantes de Fidel Castro no Hotel Theresa foi Malcolm X, o lendário líder do movimento negro islâmico que pouco depois seria assassinado. O conteúdo do diálogo foi inteiramente anotado pelos espiões do FBI que acompanharam de muito perto a conversa.

    O mesmo caminho de encontro com Fidel Castro fez o então jovem candidato à presidência dos Estados Unidos John Kennedy que esteve pela primeira vez frente a frente com o presidente cubano. Depois de eleito, o mesmo presidente tentou derrubar Fidel Castro no fatídico episódio da Bahia dos Porcos. Assim como Malcolm X, o presidente americano também acabou por ser assassinado.

    As visitas não pararam por ai, o líder soviético Nikita Khrushchev entrou no hotel para conhecer o líder cubano. Já teria ele se convencido a aceitar o comunismo naquele momento nunca saberemos, mas o que é certo é que a presença de um revolucionário vindo de um país subdesenvolvido atraiu outras lideranças que fizeram uso dos apartamentos desenhados pela empresa George & Edward Blum em sua decoração de terracota construída entre os anos de 1912 e 1913. Assim, naqueles poucos dias passaram por ali o presidente do Egito Gamal Abdel Nasser, o Primeiro Ministro da Índia Jawaharlal Nehru e o líder do Congo Belga Patrice Lumumba. Além dos líderes políticos, escritores como e poetas como Langston Hughes e Allen Ginsburg também foram conhecer Fidel Castro. Se aqueles dias foram quentes para o hotel, esteve longe de ser o único…

    Hotel Theresa: racismo e resistência

    Aqui entra o outro lado da história americana e o seu racismo. Muitos hotéis de luxo de Manhattan se recusavam a receber hóspedes negros, mesmo aqueles que já tinham obtido fama. Desta forma, o Hotel Theresa acabou por se tornar o local de hospedagem dos músicos que iriam se apresentar no Teatro Apollo, que dista apenas uma quadra do hotel e também dos principais atletas, em particular dos lutadores de boxe. Entre os hóspedes mais ilustres estiveram os músicos Luis Armstrong, Ray Charles, Duke Ellington, Jimi Hendrix, Lena Horne, Little Richard, Dina Washington e aquele que também foi gerente do bar do hotel Andy Kirk.

    Entre os atletas, os boxeadores Muhammad Ali, Sugar Ray Robinson, Joe Louis entre outros. O hotel também abrigou organizações do movimento negro como Organization of Afro-American Unity criado por Malcolm X depois que ele deixou a Nation of Islam (Nação Islâmica). O hotel também chegou a abrigar uma livraria que difundia as obras do movimento negro.

    O hotel, e o bairro em geral, foram locais de duras lutas políticas que deixaram as suas marcas até os dias de hoje. Atualmente não há nenhum registro no prédio que lembre os seus tempos de hotel, apenas os letreiros e a fachada que tem de ser preservada, pois o local é considerado um marco histórico da cidade de Nova York. Assim, um visitante que não conheça a história do local pode passar por ele sem percebê-lo ou sem se dar conta da sua importância histórica.

    Hotel Theresa. Foto Erick Zen
    Hotel Theresa. Foto Erick Zen

    Hotel Theresa. Foto Erick Zen
    Hotel Theresa. Foto Erick Zen

  • Sobre Mia Couto: email de uma aluna

    Sobre Mia Couto: email de uma aluna

    Ontem, por motivos diversos, não pude fazer um debate sobre um texto do Mia Couto que havia programado para uma disciplina curso de Psicologia… E qual não foi a minha surpresa quando abri o meu email  e encontrei esse texto da Marina Campos. Vale a a reflexão.

    (…) eu gostaria de comentar sobre a leitura sugerida para a aula. O texto do Mia Couto “Línguas que não sabemos que sabíamos”.

       Eu nunca havia lido nada de Mia Couto e confesso que achei o texto perfeito e acredito que daria espaço para uma boa discussão do tema que aborda uma forma de pensar a língua muito abrangente, muito além do simples falar ou ouvir o que se fala. Ele traz uma crítica ao sistema atual que prende o sujeito a uma cultura única de linguagem e à tecnologia como não sendo um elemento de salvação para o problema de comunicação e entendimento.

       Vai além dos paradoxos de uma língua que supera estereótipos.

       E o homem, diversificado em línguas, pode se tornar um grande ignorante na leitura e no diálogo com os conhecedores da palavra local, e sua grande arma talvez seja a sensibilidade.

       Não sei se esses seriam exatamente os pontos que o professor abordaria em sala porque o texto abre um leque de assuntos sobre a língua. Remete história, cultura, preconceito.

       Mas nos leva para uma visão nova e uma valorização maior da língua.

       Durante uma pesquisa sobre o tema “línguas” encontrei no seu site o tema Lunfardo: “o modo de falar que se opõe a língua”? que fala do “universo do Tango revelando em sua musicalidade uma língua, ou um idioma”…”Uma mescla de idiomas”…”Lunfardo, o idioma de múltiplas origens que expressa vivência”… ”um modo de falar que se opõe a língua comum…”

       Achei que complementou como um exemplo de “liberdade linguística” pelo menos ao meu entendimento (me corrija se eu errei em algo).

    “AO LADO DE UMA LÍNGUA QUE NOS FAÇA SER MUNDO, DEVE COEXISTIR UMA OUTRA QUE NOS FAÇA SAIR DO MUNDO.DE UM LADO, UM IDIOMA QUE NOS CRIE RAIZ E LUGAR.DO OUTRO, UM IDIOMA QUE NOS FAÇA SER ASA E VIAGEM.”

    Desculpe incomodar mas eu precisava falar do texto.

    Marina MF Campos, aluna do 1° semestre de Psicologia da FVR – UNISEPE.

    Imagina! Incomodo nenhum!!!

  • Žagarė: memória de um genocídio

    Žagarė: memória de um genocídio

    Por Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Twitter: @erickrgzen

    • Sobre o genocídio em Žagarė
    • Minhas impressões sobre a memória de um genocídio

    Žagarė: memória de um genocídio… Quando saí do Brasil carregava comigo uma obsessão: conhecer a Lituânia. Já na Lituânia de norte a sul de leste a oeste. Era o meu encontro com a terra natal da minha família. Ao chegar fui conduzido por uma amiga que em um fim de semana me convidou para conhecer a cidade onde vivia a sua família, localizada bem ao norte do país. Pegamos um ônibus em Kaunas e fomos para Joniškis, uma pequena cidade próximo a Šiauliai.

    Já na casa dela, fui recebido por seus pais e suas três irmãs mais novas e ali me deliciei com a farta comida: sopa de beterraba e bolinhos de carne de porco que foram servidos no café da manhã. Delicioso, mas pesado para quem não está acostumado.

    Seguimos para nossa jornada, as irmãs mais novas da minha amiga decidiram nos acompanhar. Conhecemos Šiauliai! Andamos pelas ruas principais e fomos ao gigantesco shopping, que estava vazio. Na parte da tarde, passamos horas simplesmente andando sem direção por algumas ruas. Buscamos por alguns lugares onde eu queria tirar fotos: a escola, o centro, a estação de trem.

    No dia seguinte, decidimos ir para o norte de Joniškis, depois de tomar a tradicional sopa lituana. Chegamos à cidade de Žagarė que parecia vazia e um tanto bagunçada depois de uma tremenda tempestade de verão. Žagarė é uma cidade muito particular na Lituânia, pois, durante o período do Império Russo foi zona de residência de judeus e ciganos. Pela sua localização, quase na divisa com a Letônia foi um ponto de passagem e comércio por séculos. Assim, a cidade teve seu tempo de glória, de desenvolvimento econômico e cultural ou, podemos dizer, multicultural.

    Essa história foi drasticamente interrompida pela brutalidade da Segunda Guerra Mundial, quando aproximadamente 2.500 judeus foram fuzilados e enterrados em uma vala comum. Hoje, no local, um gramado com um caminho de pedra e poucas arvores. No centro, um pequeno monumento em memória às vitimas do genocídio nazista.DSC03641 Diante deste monumento, minha amiga tentava explicar a sua irmã de oito anos o que tinha acontecido ali e o porque do pequeno monumento. A menina olhava a sua volta e não acreditava. Dizia não ser possível ter 2.000 pessoas enterradas naquele parque.Seu argumento era simples e comovente: não havia espaço suficiente para fazer cada um dos túmulos para essa quantidade de corpos.

    Era sem dúvida um argumento intrigante e nos colocava em uma situação complicada. Como explicar para uma criança que milhares de pessoas podem ser mortas e seus corpos atirados em uma vala comum? Minha amiga tentou explicar uma vez mais. A garotinha continuava olhando de um lado ao outro buscando algum sinal das covas e dos túmulos. Ela se aproximou de nós uma vez mais, com seus comentários, e nos disse que aquilo era muito errado. As pessoas não podem ser enterradas juntas, pois os familiares não poderiam reconhecer onde estavam os seus parentes?

    Os cemitérios na Lituânia são distintos do que estamos acostumados no Brasil. Eles são visíveis das estradas, das ruas e não são escondidos por muros. No geral, estão sempre muito arrumados, particularmente no verão e na primavera, quando arranjos de flores de diferentes tipos e cores são colocados. Pode ser que a ligação com os mortos das religiões tradicionais não exista mais. Pode ser pelo simples hábito ou para não ser difamado pelos vizinhos. Seja como for, os cemitérios são frequentemente visitados e arrumados. Dai nossa garotinha ficar ainda mais impressionada, afinal a colocamos diretamente e de uma vez diante de uma tragédia brutal.

    Com oito anos, ela entendeu muito rápido o sentido daquele genocídio, e que talvez seja o de qualquer genocídio (etnocídio): o de eliminar, esconder e principalmente fazer esquecer aqueles que foram mortos. Não bastaria eliminar fisicamente era preciso eliminar de cada memória a simples existência daquela comunidade. Fabricar um esquecimento é o que segue ao genocídio. Fazer os mortos perderam sua individualidade, suas histórias pessoais, suas relações com os descendentes. Desaparece da memória!

    Caminhar por aquele parque e escutar minha amiga explicar uma história tão difícil a sua inquieta irmã me fez repensar a importância da memória. Não deixar esquecer a brutalidade, do genocídio e da violência é uma tarefa árdua e que deve ser contínua. O que aconteceu em Žagarė deve ser lembrado, por mais doloroso que seja.

  • Crônica de Um País Alpino

    Crônica de Um País Alpino

    Crônica escrita em 2010.

    Em um dia frio em Kaunas entrei no trem para ir a Vilnius. Mais um dia de trabalho! O Arquivo histórico do antigo Partido Comunista me esperava e eu por ele. Ainda com sono, completamente descolado no fuso horário, me atirei na poltrona nova do trem rápido. Rápido era só o nome da linha e não tem relação com a real velocidade do treco. Olhei pela janela. Gelo no chão. Arvores peladas. Passarinhos escondidos.

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    Na poltrona, do outro lado do corredor, uma menina com mala e mochila virava e revirava um monte de mapas e livretos. Me olhou! Olhou para o mapa! Percebeu que eu era estrangeiro? Com certeza.

    Me olhou novamente e chegou perto. Com um inglês cheio de RRRRRRR e SSSSSS, me perguntou alguma coisa sobre um lugar que eu não tinha a menor ideia de onde ficava. Depois perguntou sobre outro lugar que consegui localizar no mapa. Ela queria ir para a cidade velha em Vilnius, um hostel. Problema resolvido com os mapas. Ficou ali sentada do meu lado. Silêncio constrangedor. Para puxar um papo, fiz aquela pergunta muito útil: de onde você é?

    – Da Eslovênia – me respondeu tirando a franja e arregalando os seus enormes olhos azuis que contrasta com sua pele branca e a sobrancelha negras como seus cabelos longos – Conhece?

    – Não… Nunca fui aos Balcãs…

    – Balcãs? No!!! No, Eslovênia não fica nos Balcãs – me olhou feio. Quase indignada

    – Ahhhhhh. Não?

    – Não! Fica nos Alpes. É um país Alpino!

    Putz ! Além de ignorante me senti velho. Estudei geografia no final da Guerra Fria. Em um tempo em que tudo o que ficava para lá de Berlim era Leste Europeu. Agora o Leste Europeu acabou. Ninguém mais quer ser do Leste. Assim como não querem ser mais Balcãs.

    Os países andam inventando a sua própria geografia para se reinventar no Ocidente. Quanto mais no Ocidente melhor. Ocidente é… Digamos, União Européia. Para os eslovenos, que foram um dos primeiros do “Leste” a serem aceitos na União Européia, é mais interessante inventar uma identificação com a Austria e com a Itália do que com a Sérvia. Viraram Alpino!

    Em Vilnius, você pode ir ao centro da cidade e pedir um diploma autenticado afirmando que você esteve no centro geográfico da Europa. Coisa inútil! Imagina colocar uma coisa dessas na parede da sua casa. A função desse papel é simplesmente afirmar: “não estamos no Leste. Esqueça a União Soviética e aquela geografia”.

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    Crônica de Um País Alpino

    Seja como for, minha ida para Vilnius seguiu silenciosa. A menina voltou para a sua poltrona. Maldita geografia pós-Soviética…

    Para mim, Alpino continua sendo o chocolate duro e doce embrulhado no papel dourado. Assim como o centro da Europa continua sendo Berlim queiram ou não. (isso foi uma ironia!).

  • Desconhecia Mario Benedetti!

    Desconhecia Mario Benedetti!

    Por Dr. Erick Reis Godliauskas Zen

    Twitter: @erickrgzen

    • Escrito em:  4 de junho de 2009, Montevidéu
    • Falecimento do poeta uruguaio
    • Mario Benedetti

    Desconhecia Mario Benedetti! Sinto-me obrigado a confessar minha ignorância e, somente na circunstância de seu velório, pude encontrá-lo. Seu rosto foi estampado em todos os jornais. Eu, atônito, me deparava com um dos personagens mais importantes da literatura e da política uruguaia. Era um feriado cívico chocho e frio. Dia preparado para grandes e eloqüentes discursos, mas o silêncio tomou Montevidéu. A Batalla de las Piedras vencida por Artigas e determinante para a independência daquele país, não tinha qualquer importância. O luto se abateu. Foi um feriado em homenagem a Mario Benedetti.

    Sempre fui um leitor compulsivo. Desde que a minha dislexia foi sendo contornada. O que era uma dificuldade se tornou um dos meus maiores prazeres. Na escola me encontrei com a literatura brasileira e portuguesa. Mas essas logo se transformaram em livros para o vestibular. As aulas de literatura, que deveriam ser uma porta de entrada para humanização, foram prostituídas em enfadonhos preparos para a fuvest.

    Não nego o esforço de alguns mestres para que fosse um pouco mais que isso. Contudo, os livros selecionados eram os da lista das provas e não constava literatura em língua espanhola. Em casa, talvez por minha ascendência, era mais fácil encontrar a literatura européia, particularmente da Europa Oriental. Considerando que a Rússia faz parte da Europa. Desde cedo os clássicos russos, Dostoievski, Tchekov, Tolstoi e assim por diante começaram a fazer parte do meu repertório. Mas os escritores latino-americanos eu fui conhecer no fim da faculdade com mais de vinte e cinco anos de idade.

    Não me lembro exatamente como, ou porque, resolvi ler Cien Años de Soledad, talvez pelo prêmio Nobel de Gabriel García Márquez. Desgraçadamente, o reconhecimento europeu, muitas vezes, ainda é o caminho para valorizar e conhecermos nossos vizinhos, também latinos. Pouco depois, me chegou Borges pelas mãos de uma ex-futura namorada. Na minha primeira viagem para a Argentina, me encantei com Cortázar. Nosso encontro se deu em uma promoção da livraria Ateneu por ocasião de uma data comemorativa qualquer. Li seus livros um após o outro.

    Digo, ainda que em voz baixa, que prefiro Cortázar a Borges. Mas sei que posso apanhar por esse comentário. Uma amiga da minha mãe, chilena, ao arrumar o armário para se mudar me regalouvelhos e usados livro de Neruda. Outros de Isabel Allende, mas essa eu deixei de lado. Assim, ocasionalmente, sem projeto ou propósito, fui conhecendo pouco a pouco os escritores de língua hispânica, ou castelhana, como queiram. Claro que meu interesse pela língua ajudou a acelerar as leituras. Assumir o idioma de um autor é tão difícil quanto revelador de novas descobertas e prazeres.

    Lástima que só me encontrei com Benedetti naquele dia fatídico. A comoção profunda causada pelo seu falecimento e as manifestações que se seguiram expunham algo que envolvia sua literatura. A capacidade de sua pluma em desvelar a sociedade uruguaia. Sua percepção crítica o levou a ser chamado de “cronista de Montevidéu”. A postura política era clara: estava à esquerda. Sua trajetória o fez ser adotado como símbolo da luta pela transformação social. Apoiou a Frente Ampla,que agora está no poder.

    Como comentou Constanza Moreira, o seu legado foi o de “haber descrito com uma pluma sin igual, al país de las clases medias: conservadoras, resignadas, desapasionadas, oficinescas”. Talvez seja justamente por isso que eu, afogado nesta classe média latino-americana, pude tão rapidamente me identificar com seus escritos. Assim, estamos nos tornando cada vez mais íntimos. Logo vou retirar os Ud. de nossas conversas. Usarei o “vos”, para ficarmos mais próximos. Quem sabe, até mesmo, ousar chamá-lo de Mario. Assim, Gracias Por El Fuego.

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