Autor: Erick Zen

  • Crise do modelo nórdico: Suécia e Finlândia diante do fim do Estado de bem-estar social

    Crise do modelo nórdico: Suécia e Finlândia diante do fim do Estado de bem-estar social


    O modelo nórdico de bem-estar social sempre foi visto como referência mundial em igualdade e qualidade de vida. No entanto, as crises recentes na Suécia e na Finlândia levantam dúvidas sobre sua sustentabilidade. Esses países enfrentam não apenas dificuldades conjunturais, mas um desafio estrutural que pode marcar o fim do Estado de bem-estar social. A questão central é: Será que é possível conciliar justiça social, equilíbrio fiscal e competitividade econômica na atual dinâmica do capitalismo?

    Histórico do modelo nórdico

    Construído no pós-guerra, o modelo nórdico baseou-se em altos impostos, redistribuição de renda e serviços públicos universais.

    Suécia e Finlândia transformaram-se em símbolos globais de saúde gratuita, educação de excelência e baixa desigualdade.

    Durante décadas, prosperidade industrial e inovação tecnológica garantiram recursos para sustentar esse arranjo. O consenso era de que o modelo nórdico seria replicável e sustentável, mas os sinais de fragilidade começaram a aparecer nas últimas duas décadas.

    Motivos das crises atuais

    A globalização expôs vulnerabilidades ao reduzir empregos estáveis e pressionar salários. O envelhecimento populacional elevou custos de saúde e aposentadorias.

    Na Suécia, o endividamento das famílias e a bolha imobiliária colocaram a economia em recessão.

    Já na Finlândia enfrenta déficits persistentes e dívida crescente, respondendo com austeridade: cortes em benefícios sociais, aumento de impostos e redirecionamento de recursos para defesa.

    Nos dois casos, o modelo de proteção universal está sob tensão.

    Em 2025, o PIB sueco recuou, prolongando a recessão. O setor de construção e o consumo doméstico caíram, enquanto sindicatos denunciam deterioração de hospitais, escolas e lares de idosos.

    Na Finlândia, o Banco Central prevê crescimento de apenas 0,5% em 2025 e dívida pública chegando a 87,5% em 2026. O déficit permanece próximo de –3,7% do PIB, mesmo com cortes.

    Politicamente, a Suécia busca ajustes graduais, enquanto a Finlândia vive polarização: partidos de esquerda ganharam espaço e populistas de direita perderam apoio.

    Perspectivas para o futuro

    O modelo nórdico enfrenta dilemas profundos. Se ainda garante sociedades mais igualitárias do que a média europeia, já mostra sinais de erosão.

    A longo prazo, ou será capaz de inovar em formas de financiamento, preservando sua essência, ou caminhará para uma versão reduzida, seletiva e menos universal.

    A crise em Suécia e Finlândia funciona como um alerta: até mesmo os países mais bem avaliados em desenvolvimento humano não estão imunes às pressões fiscais e geopolíticas que desafiam o Estado de bem-estar social no nosso século.

    Referências

    Le Monde. Sweden’s social model is on its last legs. 2024.

    OECD. Economic Survey Sweden 2025.

    Reuters. Finland’s Thatcher tests limits of local frugality. 2024.

    The Guardian. The left is rising, and the far right is reeling in Finland. 2025.

    European Commission. Economic Forecast Finland 2025.

  • Como a França fracassou?

    Como a França fracassou?

    A França se encontra no epicentro de uma crise política e econômica que já ultrapassa suas fronteiras. O país parece ter entrado em um ciclo vicioso de crises econômicas e políticas, com potencial de colocar em risco a França que conhecemos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, ou seja, a França do Estado de bem-estar social.

    Os números da economia francesa são dignos de um país que, se não fosse essencial para o equilíbrio europeu e uma potência nuclear, já estaria sob intervenção do FMI e das instituições da União Europeia.

    A dívida pública supera €3,3 trilhões, equivalente a quase 114% do PIB, enquanto o déficit projetado se mantém em torno de 5,8%, muito acima dos parâmetros de Maastricht.

    No mercado financeiro, os títulos de dez anos atingem rendimento de 3,53% e o diferencial em relação à Alemanha chega a 80 pontos base, sinal claro de perda de confiança.

    O governo minoritário do Primeiro Ministro François Bayrou apresentou um plano de de austeridade de €44 bilhões enfrenta ampla rejeição social e política, mas enfrenta rejeições da direita fascista populistas e da esquerda institucionalizada no bem-estar social.

    Com isso, o governo deve encarar um voto de confiança decisivo em setembro e seu plano. Se o governo cair, o país pode mergulhar em paralisia legislativa. Nesse caso, para fechar as contas, talvez tenha que recorrer a apoio internacional.

    O próprio ministro das Finanças já admitiu que, em caso de colapso político, a França poderia solicitar ajuda ao Fundo Monetário Internacional. O FMI defende cortes equivalentes a 1,1% do PIB em 2026 e ajustes subsequentes de quase 1% ao ano.

    Já o Banco Central Europeu dispõe de mecanismos emergenciais para conter crises de dívida, mas a atuação exigiria compromissos firmes que parecem improváveis em meio à fragmentação política atual.

    Por isso, a instabilidade francesa deixou de ser um problema doméstico para se transformar em ameaça à estabilidade de todo o euro.

    Uma eventual crise do euro colocaria o mundo em uma situação curiosa: as duas principais moedas ocidentais, euro e dolar, estariam ao mesmo tempo enfrentando crise de desconfiança.

    A crise para além da economia.


    A crise finqnceira francesa e a expansão dos extremismos não podem ser explicados apenas pelos últimos resultados economicos. Ela traduz um longo desgaste social dentro da crise donestado de bem-estar social e da imigração em massa m.

    Desde os anos 1980, a França recebeu fluxos expressivos de imigrantes do Magrebe, da África subsaariana e do Oriente Médio. Esse processo diversificou culturalmente o país, mas também expôs falhas de inclusão.

    Bairros periféricos marcados por desigualdade se tornaram símbolos de exclusão e alimentaram ressentimento. A crise dos refugiados em 2015 e atentados terroristas posteriores intensificaram a sensação de insegurança.

    Esse ambiente abriu espaço para a ascensão da extrema-direita. O Rassemblement National, de Marine Le Pen, passou a associar imigração a desemprego, perda de identidade e crise econômica.

    O discurso produziu efeitos em uma população já cansada de estagnação e de reformas impopulares.

    Nas eleições legislativas de 2024 o RN conquistou 33,2% dos votos e 142 cadeiras, superando partidos tradicionais. Pesquisas de 2025 mostram o partido novamente na liderança, com entre 31% e 35% das intenções de voto, consolidando-se como a maior força política do país.

    A esquerda populista também cresceu, mas a polarização beneficiou sobretudo os nacionalistas.

    Ao mesmo tempo, movimentos como os coletes amarelos mostraram o abismo entre governo e sociedade. Embora não tivessem a imigração como pauta principal, as manifestações revelaram ressentimento profundo contra impostos altos e políticas que pareciam privilegiar uma acomodada elite burocrarica.

    A pandemia de COVID-19 e a guerra na Ucrânia agravaram esse quadro ao aumentar custos, pressionar serviços públicos e corroer salários, elementos que fortaleceram ainda mais os discursos radicais.

    A França precisa de mudanças, mas qualquer movimento ameaça sua estabilidade política e é dificil qualquer governabilidade, quando os dois lados do populismo, a extrema direita e a extrema esquerda, acreditam que a instabilidade pode levá-las ao poder.

    Cortar gastos pode derrubar o governo e recusar reformas pode… Derrubar o governo.  No meio desseĺ cresce a perspectiva de que forças populistas assumam o poder. A França, que já foi motor da integração europeia, ameaça hoje a própria sobrevivência do projeto europeu, ainda que Macron queira brincar de lider global, somente ele acredita na sua capacidade de estadista e convenhamos que depois de um tapa na cara em público e de ficar sentadinho junto com lideres europeus na porta do gabinete de Trunp, não ajudou muito com a sua imagem.

    Ainda assim, por mais fraco que seja o atual governo, o fracasso francês não é feuto de um erro isolado, mas de décadas de tensões acumuladas entre ambições sociais, disciplina fiscal europeia, pressões migratórias e transformações globais.

    A ascensão da extrema-direita e do populismo refletem uma longa decadência. O país que simbolizou a força do continente agora representa o maior risco para sua estabilidade e segurança.

    Referências

    Reuters. French finance minister sees risk of IMF intervention if government falls. 26 ago. 2025. Disponível em: reuters.com
    Financial Times. French assets hit by prospect of government collapse. 2025. Disponível em: ft.com
    Wall Street Journal. With another government on the brink of collapse, is France the new Italy?. 2025. Disponível em: wsj.com
    Reuters. Could ECB help France if borrowing costs surge further?. 28 nov. 2024. Disponível em: reuters.com
    Reuters. IMF urges sustained French budget squeeze to rein in deficit. 22 mai. 2025. Disponível em: reuters.com
    Le Monde. Is France’s debt situation as worrying as PM François Bayrou claims?. 29 ago. 2025. Disponível em: lemonde.fr
    Natixis. On the brink: exploring the implications of the upcoming confidence vote on 8th September. 2025. Disponível em: home.cib.natixis.com
    Chat Europe. France’s far right vote in figures. 2025. Disponível em: chateurope.eu

  • Cúpula da SCO em Tianjin: Xi, Putin e Modi…

    Cúpula da SCO em Tianjin: Xi, Putin e Modi…

    A cidade chinesa de Tianjin sediará, nos dias 31 de agosto e 1º de setembro a próxima cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO). O encontro promete ser um dos mais relevantes do ano no cenário geopolítico, reunindo mais de vinte líderes de diferentes continentes.

    Entre as presenças confirmadas estão o presidente da China, Xi Jinping, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o Primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.

    A participação de Modi ganha destaque por ser a sua primeira visita à China em mais de sete anos, em meio a um histórico de tensões fronteiriças e rivalidades estratégicas.

    A SCO, criada em 2001, consolidou-se como um dos principais fóruns multilaterais fora do eixo ocidental, reunindo países da Ásia Central, além de China, Rússia, Índia e Paquistão. Com debates que vão da segurança regional ao comércio, a cúpula em Tianjin representa não apenas um esforço para amenizar as relações entre Pequim e Nova Délhi, mas também uma demonstração de alinhamento entre os países emergentes.

    Um dos principais temas da agenda será a política tarifária dos Estados Unidos sob Donald Trump, que tem elevado impostos sobre importações de produtos chineses, indianos e de outros países da região.

    Para Pequim, as tarifas representam um desafio direto ao crescimento industrial e um enfrentamento aberto pelo comércio global. Se as tensões entre EUA e China vinham se desenhando a tempos, com Trump ela passou a ser direta.

    Já para Nova Délhi, as tarifas foram uma decepção e uma quebra de expectativas. Modi fez política de aproximação com Trump. Recusou a moeda dos Brics publicamente, visitou os Estados Unidos, afagou o ego do presidente. Para analistas apressados e políticos desavisados no Brasil foi um modelo que Lula deveria seguir. Nada adiantou. A Índia foi taxada.

    Essa taxação é um obstáculo às exportações de tecnologia e farmacêuticos e abalam o crescimento do país. A resposta de Modi foi, até o momento, virar a política indiana de volta para o Sul Global e a SCO, pode marcar uma reaproximação definitiva com a China e com a Rússia.

    Para Moscou, um agravamento das barreiras comerciais já impostas pelo Ocidente em função da guerra na Ucrânia, os EUA pressionam os aliados comerciais da Rússia, como a Índia, a deixar de comprar petróleo o que seria um desastre para a cambaleante economia russa e para o financiamento do do desastre da invasão da Ucrania.

    Assim, encontro busca reforçar a a solidariedade do chamado Sul Global e a negociação por alternativas às instituições tradicionais dominadas pelo Ocidente, ou melhor, pelos EUA. A cúpula discutirá respostas conjuntas às tarifas norte-americanas, fortalecendo mecanismos internos de comércio e cooperação econômica, para amenizar o impacto Trump nas suas economias.

    A expectativa é que, além dos gestos simbólicos de cooperação, os líderes anunciem medidas concretas em áreas como energia, infraestrutura e comércio, buscando reduzir a dependência das cadeias controladas por Washington.

    A atenção global estará voltada para Tianjin, onde se desenha mais um capítulo da redefinição do equilíbrio de poder no século XXI.

  • As crises de Milei: corrupção, vigilância e economia sob pressão

    As crises de Milei: corrupção, vigilância e economia sob pressão


    Com as eleições provinciais marcadas para 7 de setembro e a campanha nacional prestes a começar, o governo de Javier Milei atravessa um momento crítico. Enquanto no Brasil, Milei é apresentado como um herói do ajuste fiscal e seu liberalismo de frases libertárias encantam tanto operadores do mercado, quanto influenciadores desavisados, a realidade do país vizinho é outra.

    Denúncias de corrupção, acusações de espionagem política e uma economia com sinais contraditórios colocam em xeque a estabilidade do projeto “libertário” que levou Milei à Casa Rosada.

    Propinas e pressões políticas

    Ao que parece a direira latino americana está se especializando em escandalos por áudio e em casos de família. No caso argentino, os áudios foram divulgados pelo ex-diretor da Agência Nacional de Discapacidade, Diego Spagnuolo, que, digamos, sugerem que a secretária-geral da Presidência, Karina Milei, e o assessor Eduardo “Lule” Menem estariam ligados a um esquema de propinas na compra de medicamentos. Segundo o jornal El País, as cifras poderiam chegar a 800 mil dólares mensais. A Justiça federal, determinou buscas em imóveis e escritórios ligados ao caso, como informou a AP News.

    Foram realizadas 14 operações em Buenos Aires e em uma importante distribuidora farmacêutica, com apreensão de celulares, dinheiro e documentos, de acordo com o jornal Página/12. A crise levou um interventor a assumiu a agência por 180 dias para garantir transparência durante as investigações.

    Embora o caso tenha repercussão política imediata, é importante destacar que as acusações ainda estão em fase de investigação e os envolvidos negam irregularidades ou não se pronunciaram publicamente até o momento.

    O problema é que escândalos como esses acabam por minar o discurso de Milei que prometeu um choque de gestão, transparência e honestidade e sempre apontou para a “currupção dos Peronistas” e do que chama de ” a casta”. Seu discurso moralista, agora enfrenta as acusações de desvio na sua gestão que diretamente envolve a sua irmã que é também a sua principal conselheira.

    Vigilância ilegal e clima de autoritarismo

    Outro foco de crise veio à tona quando a imprensa revelou que a SIDE, agência de inteligência,  reativada por Milei em 2024, teria monitorado opositores, sindicatos e grupos civis. Segundo o jornal britânico The Times, lideranças peronistas, como Máximo Kirchner, Sergio Massa e Axel Kicillof estariam entre os alvos. A denúncia foi levada ao Judiciário e gerou reações duras da oposição.

    A Comissão Bicameral de Inteligência do Congresso manifestou preocupação e exigiu explicações oficiais do Executivo, informou o jornal La Nación. A acusação reforça a percepção de que o governo enfrenta crescentes questionamentos institucionais.

    Economia: sinais de empobrecimento e incerteza

    No campo econômico, a queda da inflação para 1,9% em julho foi comemorada como a principal conquista e realização e de fato, trata-se de um feito histórico em um país marcado por décadas de alta crônica de preços. O problema é como e as consequências dessa queda rápida.

    A atividade econômica medida pelo EMAE recuou 0,7% em junho, segundo o INDEC, e analistas consultados pelo Clarín alertam para uma desaceleração mais ampla. O desemprego também subiu: de 6,4% em 2024 para 7,9% no primeiro trimestre de 2025, conforme números do Infobae.

    A pobreza, medida oficialmente em 31,7% no primeiro trimestre, permanece em patamar elevado. Um estudo da Universidade Torcuato Di Tella chegou a estimar índices semelhantes, mostrando que os anunciados  avanços econômicos não atinge grande parte da população.

    Além disso, e mais preocupante para os mercados, são as quedas nas reservas internacionais, após pagamentos ao FMI que preocupa os mercados. Vale lembrar que a Argentina é o país com a maior dívida com o FMI e está sujeita as constantes fiscalizações do Fundo para conseguir renegociar os volumosos empréstimos.

    O caso YPF e a incerteza jurídica

    Somando-se às pressões internas, a Justiça dos Estados Unidos decidiu que a Argentina deverá transferir sua fatia de 51% na petroleira YPF a investidores minoritários, devidon a uma indenização bilionária. Segundo o La Nación, o país ainda pode recorrer, mas os juros da condenação já aumentam o valor final da disputa, que ultrapassa 16 bilhões de dólares.

    A imagem de Milei diante da negociação é de fragilidade, já que demonstrou inúmeras vezes subserviência ao presidente Donald Trunp.

    O fato de a Argentina ter conseguido isentar produtos argentinos da taxação  foi alardeado como uma conquista pessoal de Milei. Mas será que a suposta proximidade com o presidente americano pode salvar a petroleira Argentina?

    Eleições de setembro e outubro

    As tensões políticas se intensificam, porque setembro marca o início do ciclo eleitoral. A província de Buenos Aires vota em 7 de setembro e Corrientes já vai às urnas em 31 de agosto.

    A campanha nacional na TV e no rádio começa em 21 de setembro, com as legislativas previstas para 26 de outubro e estarão em disputa 127 cadeiras da Câmara e 24 do Senado.

    O resultado definirá a real capacidade de Milei em sustentar seu programa no Congresso. Uma eventual derrota, pode levar o governo a paralisia do governo.


    A poucos dias das eleições, Javier Milei enfrenta um triplo desafio: conter os efeitos políticos das denúncias de corrupção, responder às acusações de vigilância ilegal e administrar uma economia que, embora mostre alívio inflacionário, segue marcada por pobreza, desemprego e queda na atividade. O desempenho nessas frentes poderá definir não apenas os resultados de setembro e outubro, mas também o futuro do governo.

    Referências

    El País – “Audios, allanamientos y un alto cargo despedido: un caso de corrupción acecha a Milei y su hermana” (22/08/2025).

    AP News – “Argentina investigates alleged kickback scheme entangling President Milei’s inner circle” (23/08/2025).

    Página/12 – “Allanamientos en la causa por corrupción en la ANDIS” (23/08/2025).

    Ámbito – “Designan interventor en la ANDIS tras las denuncias” (23/08/2025).

    The Times – “Javier Milei’s government accused of spying on rivals in Argentina” (07/2025).

    La Nación – “La Bicameral de Inteligencia pide explicaciones al Gobierno por las filtraciones” (08/2025).

    Infobae – “La inflación de julio fue del 1,9%” (08/2025).

    Clarín – “Actividad económica cayó 0,7% en junio según el INDEC” (07/2025).

    Infobae – “El desempleo sube al 7,9% en el primer trimestre” (06/2025).

    Infobae – “La pobreza alcanzó el 31,7% en el primer trimestre” (06/2025).

    Ámbito – “Reservas del BCRA caen tras pagos al FMI” (08/2025).

    La Nación – “Calendario electoral: elecciones provinciales y legislativas nacionales” (08/2025).

    Chequeado – “Qué se vota en las legislativas 2025” (08/2025).

    La Nación – “YPF: la Justicia de EE.UU. permite a Argentina apelar sin entregar acciones” (08/2025).

  • Alerta no Caribe. As novas disputas geopolíticas.

    Alerta no Caribe. As novas disputas geopolíticas.

    O Caribe como prioridade estratégica

    Desde o início de 2025, o governo Trump voltou a colocar a América Latina e Caribe no centro de sua política externa. A região, considerada uma extensão natural da segurança norte-americana, é hoje apresentada pela Casa Branca como a “primeira linha de defesa” contra cartéis de drogas e fluxos migratórios. Trump marca, assim, uma volta ao continente que recebeu menos atenção, desde o governo Bush.

    A decisão de enviar destróieres, submarinos e cerca de 4.000 militares para patrulhar águas caribenhas representa o maior movimento naval dos EUA na região desde a Guerra Fria. Oficialmente, trata-se de uma operação antidrogas, mas na prática, ela é o retorno da projeção militar americana.

    Para entendermos esse movimento, vamos analisar as tensões com a Venezuela e Cuba, a crise imigratório com o Haiti, bem como as novas alianças.

    Venezuela,  narcotráfico e Petróleo.

    O alvo principal é a Venezuela. Washington acusa Nicolás Maduro e altos oficiais de chefiar o chamado “Cartel de los Soles”, supostamente responsável por canalizar cocaína colombiana por meio da Venezuela até rotas marítimas do Caribe, com destino aos Estados Unidos e Europa.

    Trump elevou a pressão oferecendo US$ 50 milhões de recompensa pela captura de Maduro e ampliando sanções. Caracas reagiu mobilizando 4,5 milhões de milicianos e denunciando uma “campanha de guerra híbrida” norte-americana.

    A geopolítica da acusação vai além das drogas: enfraquecer a influência venezuelana significa também atacar o Petrocaribe, mecanismo que durante duas décadas garantiu petróleo subsidiado a vários países da região, ampliando a influência de Caracas no Caribe.

    A presença de viar destróieres e  submarinos nas proximidades da costa do país, aumentaram as especulações sobre uma possibilidade de intervenção direta. O fato é que Maduro nunca esteve tão pressionado e cercado. Essa pressão pode ter efeitos internos e fragilizar ainda mais o seu governo. A queda de Maduro é inegavelmente o maior propósito de Washington, resta saber como e quando ela se dará.

    As recentes descobertas de grandes reservas de petróleo na Guiana, lideradas pela ExxonMobil, transformaram o pequeno país caribenho em um novo polo energético global. Os EUA veem a Guiana como uma alternativa estratégica ao petróleo venezuelano, fortalecendo investimentos e parcerias para garantir acesso preferencial à produção futura. Essa guinada energética também reposiciona o Caribe no mapa da geopolítica global, com Washington atuando para consolidar sua presença diante da crescente importância do Atlântico Norte e da Bacia do Caribe.

    Em paralelo, a Venezuela mantém sua reivindicação histórica sobre a região de Essequibo, rica em petróleo e atualmente sob jurisdição guianense. A disputa territorial, intensificada pelas novas descobertas, gera tensões diplomáticas e militares entre Caracas e Georgetown.

    Para os EUA, a questão é dupla: enfraquecer a posição de Maduro e, ao mesmo tempo, consolidar um aliado energético confiável no Caribe. Assim, o petróleo se converte em mais um campo de disputa pela influência norte-americana na região.

    Nos últimos meses, Nicolás Maduro intensificou sua retórica sobre o Essequibo, chegando a ameaçar a anexação da região e a realização de exercícios militares próximos à fronteira. Essa postura não apenas eleva o risco de confronto direto com a Guiana, mas também gera preocupação no Brasil, que compartilha fronteira tanto com a Venezuela quanto com a área disputada.

    Brasília teme o impacto de uma escalada militar, particularmente, em Roraima e no norte amazônico, ao mesmo tempo em que observa com atenção a exploração do petróleo da margem equatorial, vista como o próximo grande ativo energético brasileiro.

    A sobreposição dessas tensões coloca o Brasil em posição ainda mais delicada, entre a defesa da estabilidade regional e a proteção de seus próprios interesses estratégicos no setor de energia, com mais uma potencial crise com o governo Trump a vista.

    Cuba e o retorno do isolamento

    Cuba voltou a ser classificada por Washington como Estado patrocinador do terrorismo. Além do embargo renovado, Trump planeja transformar Guantánamo, a base militar / prisão que detinha pessoas acusadas de terrorismo e de serem membros de grupos radicais islâmicos,  em um grande centro de deportação de migrantes, com capacidade para até 30 mil pessoas.

    As medidas afetam diretamente o equilíbrio caribenho, pois muitos deportados são haitianos e centro-americanos enviados para Cuba contra a sua vontade. A política gera críticas de organizações internacionais e aumenta as tensões entre Havana e Washington.

    Cuba tem sofrido por mais de uma década com a escasses de recursos e o empobrecimento. Notícias de descontentamentos populares por falta de itens básicos e as crescentes quedas de energia, mostram que o regime atravessa enormes dificuldades que, mesmo com apoio de aliados, como Rússia e China, a ilha não tem conseguido superar.

    O Haiti e a crise migratória

    O Haiti, já fragilizado por instabilidade política e violência há decadas, sofre forte impacto com a nova política migratória dos EUA. Deportações em massa pressionam um país sem capacidade de absorver o retorno de milhares de cidadãos, agravando a crise humanitária.

    Esse movimento reforça a dimensão geopolítica da migração. Washington projeta sua influência não apenas por meio de operações militares, mas também pelo controle sobre fluxos populacionais no Caribe.

    Esse controle populacional provoca crises econômicas e políticas nos paises de origem. Vale lembrar que os recursos enviados por emigrados são parte importante da economia destes países e que a imigração servia como uma válvula de escape para as tensões econômicas e sociais.

    Novas alianças no Caribe

    Apesar das tensões, alguns governos caribenhos, como República Dominicana e Jamaica, reforçam a cooperação com os EUA em segurança marítima e antidrogas. A maior presença da Guarda Costeira norte-americana é vista como forma de proteção, mas também aumenta a dependência da região em relação a Washington.

    Ao mesmo tempo, países como Trinidad e Tobago mostram cautela, temendo perder acesso ao petróleo venezuelano. O Caribe encontra-se, assim, dividido entre alianças pragmáticas com os EUA e preocupações com o risco de desestabilização regional.

    O Caribe volta a ser palco de uma disputa geopolítica clássica. A estratégia de Trump combina pressão militar, isolamento diplomático e reconfiguração migratória, buscando restabelecer a hegemonia norte-americana na região.

    Entre alianças pragmáticas e tensões abertas, os pequenos Estados caribenhos enfrentam um dilema: alinhar-se ao poder dos EUA ou tentar preservar margens de autonomia frente a um cenário de crescente rivalidade. As tensões se ampliaram em 2025 e tendem a moldar o futuro dos países nos próximos anos. Entre regimes cambaleantes e crises humanitárias o caribe é uma parte importante da reconfiguração geopolítica do governo Trump.

    Referências

    AP News,  US destroyers head toward waters off Venezuela as Trump aims to pressure drug cartels

    El País,  EE UU despliega 4.000 militares en aguas de América Latina y el Caribe para perseguir a los carteles

    El País, Maduro moviliza a cuatro millones de milicianos como respuesta a los destructores enviados por Estados Unidos

    WOLA, Qué implica una segunda administración Trump para América Latina

    NUSO, Trump y América Latina y el Caribe: un laboratorio de control

  • Dia Mundial Humanitário

    Dia Mundial Humanitário


    Em 19 de agosto, celebramos o Dia Mundial Humanitário, uma data dedicada a homenagear aqueles que atuam em crises globais e a lembrar das vidas perdidas no cumprimento desse dever.

    O trabalho humanitário é o conjunto de ações voltadas a salvar vidas, reduzir o sofrimento humano e garantir a dignidade de pessoas atingidas por guerras, desastres naturais, fome, epidemias e outras crises. Seu foco não é político, mas sim atender às necessidades mais urgentes de sobrevivência, como acesso a água potável, alimentos, saúde, abrigo e proteção.

    Quem realiza esse trabalho?

    A ação humanitária envolve uma rede global de esforços. Ela é conduzida por agências da ONU como ACNUR, UNICEF e PMA, por organizações não governamentais como Cruz Vermelha e Médicos Sem Fronteiras, e também por organizações locais, muitas vezes na linha de frente. Milhares de profissionais e voluntários arriscam suas vidas diariamente para levar socorro a quem mais precisa.

    Os princípios humanitários

    Para garantir confiança, neutralidade e eficácia, o trabalho humanitário é guiado por quatro princípios.

    Humanidade:  proteger a vida e a dignidade das pessoas em sofrimento.

    Imparcialidade: prestar ajuda apenas com base na necessidade, sem discriminação.

    Neutralidade: não tomar partido em conflitos ou controvérsias.

    Independência operacional: atuar de forma autônoma, livre de interesses políticos, militares ou econômicos.

    Esses princípios são o alicerce que permite às organizações alcançar populações em risco, mesmo em contextos de guerra.

    O atentado de Bagdá e o Dia Mundial Humanitário

    Em 19 de agosto de 2003, a sede da ONU em Bagdá, no Iraque, foi alvo de um ataque a bomba que matou 22 funcionários, incluindo o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, então Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos.

    A tragédia marcou a história da ONU e revelou a vulnerabilidade dos trabalhadores humanitários em zonas de conflito.

    Como resposta, a Assembleia Geral da ONU estabeleceu, em 2009, o Dia Mundial Humanitário, celebrado anualmente nessa data. O objetivo é não apenas homenagear as vítimas do atentado de Bagdá, mas também reconhecer o trabalho das pessoas que atuam em crises humanitárias em todo o mundo.

    Comemorar o Dia Mundial Humanitário é reafirmar a importância da solidariedade internacional e a necessidade de proteger quem leva ajuda onde mais se precisa.

    Relembrar Bagdá significa também valorizar a coragem de todos aqueles que atuam em defesa da vida, da dignidade e dos direitos humanos.

    Referências
    United Nations, History of World Humanitarian Day
    International Committee of the Red Cross
    BBC News, Baghdad UN headquarters bombing (2003)
    O Globo, A trajetória de Sérgio Vieira de Mello

  • Cúpula EUA e Rússia no Alasca: passos para o impasse

    Cúpula EUA e Rússia no Alasca: passos para o impasse


    O encontro marcado para 15 de agosto, em Anchorage, no Alasca, reunirá o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um momento tenso da guerra na Ucrânia.

    Embora apresentado como uma tentativa de abrir canais para a paz, o evento reflete mais uma disputa por narrativas e posições estratégicas do que uma convergência de objetivos. A única coisa certa desse encontro é que não sairá uma proposta de paz razoável.

    Continuidade da postura russa

    O Kremlin reafirmou que seus objetivos militares e políticos na Ucrânia permanecem inalterados, ou seja ocupação. Essa posição demonstra que Moscou não está disposta a abrir mão de ganhos territoriais duramente obtidos, utilizando a cúpula como palco para sua propaganda, colocando a Rússia como potência equivalente aos Estados Unidos.

    Putin deve insistir na sua falsa narrativa histórica e com ela buscar deslegitimar a Ucrânia, enquanto Estado e o povo ucraniano, como nação.

    Essa narrativa reforça a linha dura interna e envia um sinal claro de que não há concessões à vista. Afinal, Putin pediu aos russos sacrifício e  prometeu um Império. Ele já sacrificou mais de uma geração, com essa ilusão, e voltar como derrotado colocaria o seu regime em risco.

    Nesse momento, a Rússia parece estar em vantagem. Conquistou territórios, reorganizou a sua indústria bélica, em particular, a fabricação de drones, e dispõe de mercenários e dos norte coreanos para sacrificar.

    Enquanto a diplomacia se arrasta, a Rússia prepara novas operações no sul da Ucrânia, em Kherson, e mantém ataques com drones de longo alcance contra as principais cidades aumentando o risco de vítimas civis. Além das Infiltrações recentes em Dobropillya. Com a proximidade da cúpula, o risco é que esses movimentos militares sejam usados para reforçar a posição de Moscou à mesa de negociação.

    Condições impostas por Washington

    A Casa Branca, estabeleceu limites explícitos: não haverá qualquer acordo sem um cessar-fogo imediato e sem a participação formal da Ucrânia nas negociações. Trump acrescentou que, caso Putin se recuse a avançar em conversas, a Rússia enfrentará “consequências muito graves”. O que isso significa exatamente e se haverá recuos, não é possível saber. O certo é que o presidente não pode sair da negociação com a imagem de perdedor.

    Por isso, Trump mantém aberta a possibilidade de um segundo encontro, desta vez com a presença do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, se houver avanços concretos e já jogando qualquer solução para um futuro indefinido.

    Reações da Europa e de Kiev

    A União Europeia rejeitou a exclusão de Kiev, afirmando que a integridade territorial da Ucrânia é inegociável.

    Em Londres, Zelenskyy reforçou que não aceitará concessões territoriais e obteve novas promessas de apoio militar.

    A Alemanha anunciou um pacote de US$ 500 milhões para reforço da defesa aérea, complementado por contribuições da Holanda e da Suécia. Esses movimentos indicam que, mesmo diante de conversas bilaterais entre EUA e Rússia, o eixo europeu continuará a sustentar a resistência ucraniana, pois uma derrota, ou mesmo a imagem de derrotados, traria graves consequências políticas, já que a popularidade dos seus líderes, principalmente na França e na Alemanha, não anda nada bem.

    A cúpula no Alasca se anuncia como um momento de alta visibilidade internacional, mas com poucas garantias de avanços concretos.

    Entre exigências e resistência e  inflexibilidade, cresce a percepção de que o encontro pode servir mais para a construção de imagem política do que para uma solução efetiva do conflito. Mesmo porque, como seria possível sair de uma negociação na qual ninguém pode sair com a aparência de perdedor?

    Referências:
    Reuters
    The Guardian
    Time
    Kyiv Post

  • Sul Global ou Leste Global?  Uma questão russa.

    Sul Global ou Leste Global?  Uma questão russa.


    • As origens históricas do Sul Global
    • Por que a Rússia prefere o termo Leste Global ?
    • Como diferentes países utilizam o Sul Global em sua diplomacia
    • As contradições e conflitos potenciais no uso político desses conceitos

    O que é o Sul Global?

    O conceito de Sul Global é uma construção político e geográfica que ganhou força no final do século XX na busca por alinhar  países em desenvolvimento, concentrados no hemisfério Sul.

    Ele substituiu expressões como “Terceiro Mundo” e “países subdesenvolvidos”, usados durante a Guerra Fria (1945 – 1991). Durante a  Guerra Fria,  o “Norte” reunia potências industrializadas, enquanto o “Sul” representava economias periféricas ou emergentes. Essa perspectiva se consolidou na Conferência de Bandung, em 1955, e no Movimento dos Não Alinhados, que buscavam maior autonomia frente à disputa entre Estados Unidos e União Soviética.

    Assim, o conceito passou a simbolizar solidariedade política, defesa de reformas na governança global e a promoção de cooperação econômica entre países em desenvolvimento.

    Mas se a Rússia, ou URSS, era parte no conflito global durante a Guerra Fria, como ela poderia fazer parte do Sul Global no século seguinte?

    A questão russa e o Leste Global

    A Rússia evita ser enquadrar no Sul Global e prefere empregar expressões como Leste Global ou “países amigos”.

    Essa escolha está ligada à estratégia de se apresentar como potência euroasiática equivalente a Estados Unidos e China, e não como parte de um bloco de países em desenvolvimento.


    Propagandistas do Kremlin associa o Leste Global à construção de um bloco civilizacional alternativo ao “Ocidente Coletivo”, formado por potências militares e industriais com interesses convergentes na Eurásia. Essa visão está conectada  com a ideologia  geopolítica do eurasianismo, que coloca Moscou como centro de um espaço integrado entre Europa Oriental e Ásia.

    Ao adotar esse enquadramento, o regime de Putin se afasta do peso histórico colonial implícito no termo Sul Global e reforça sua imagem de liderança no espaço pós-soviético.

    Ao contrário dos paises do Sul Global a Rússia não passou pela experiência histórica do colonialismo, pelo contrário, no século XIX, junto com os paises europeus, o Império Russo era uma potência imperialista.

    O Imperio Russo avançou para o Cáucaso, absorvendo territórios como a Geórgia, o Azerbaijão e o Armênia, além de incorporar vastas áreas da Ásia Central, incluindo o atual Uzbequistão, Turcomenistão, Quirguistão, Cazaquistão e Tadjiquistão. Na Europa, dominou a região do Báltico e as Finlândia, além de partilhar a Polônia.

    Esse movimento foi impulsionado tanto por objetivos estratégicos, como o controle de rotas comerciais e a contenção de influências britânicas e otomanas, quanto por motivações ideológicas ligadas à missão civilizatória e religiosa do czarismo ortodoxo.

    No extremo Oriente, a Rússia expandiu-se para a Sibéria e estabeleceu presença no Pacífico, consolidando sua posição como um império transcontinental com interesses simultâneos na Europa e na Ásia.

    Nesse sentido, o regime de Putin que se apropria, tanto da imagem de grandiosidade do Império Russo, quanto da União Soviética, joga para o seu público interno a leitura euroasiatica de leste Global. Já a sua diplomacia, por estratégia aceita a ideia de Sul global por conveniência geopolítica.


    Como os países utilizam o Sul Global

    Apesar da posição russa, outros países do BRICS utilizam o conceito de Sul Global de formas distintas. A China se apresenta como líder do mundo em desenvolvimento, fortalecendo sua posição em fóruns multilaterais e ampliando sua influência na Ásia, África e América Latina.

    A Índia mantém a identidade de porta-voz dos não alinhados e organiza encontros específicos do Sul Global para reafirmar seu papel diplomático.

    Já África do Sul, emprega o conceito para sustentar sua liderança continental e propor reformas na ordem internacional.

    O Brasil, nos governos Lula e Dilma, usa o Sul Global como narrativa de mediação e protagonismo, buscando reformas multilaterais e intensificando a cooperação com países do Sul Global e Rússia.

    Contradições e conflitos potenciais

    O uso político do Sul Global cria uma base retórica de unidade, mas esconde contradições relevantes. Potências emergentes que defendem o conceito nem sempre compartilham os mesmos interesses econômicos ou estratégicos.

    Um exemplo é a China que se tornou credora de diversos países africanos e asiáticos, os colocando em relação de dependência.

    O Brasil, embora invoque o Sul Global, não superou a sua dependência econômica das potências do Norte e se tornou dependente do mercado Chinês, o que apontou para fragilidades importantes, nas crises mais recentes.


    A própria existência da narrativa russa do Leste Global demonstra que o termo não é neutro. Sua aceitação ou rejeição revela alinhamentos geopolíticos específicos.

    Diante das crises atuais, com os EUA e a guerra na Ucrânia, será importante perceber se de fato existe a  capacidade do Sul Global de articular uma política unificada, como sonha o Brasil, ou se a retórica acabara se esfacelado diante de interesses específicos.

    Para além, retomado o sonho expansionista imperialista russo, como ficou explícito com a invasão da Ucrânia, é de se perguntar: a Rússia deve ser de fato considerada como uma aliada no Sul Global? Ou para ela os BRICS e o Sul Global são apenas estratégias dentro de uma perspectiva de reconstrução de áreas de domínio e influência que remontam ao Império Russo e a União Soviética?

    É preciso repetir, a Rússia não passou pela experiência colonial, ela foi (e é) uma potência colonizadora e se o Sul global tivesse essa compreensão, para além da propaganda do regime Putin, as estratégias e expectativas de aliança seriam melhor dimensionadas.

  • Fronteiras Invioláveis: A Posição do Northern-Baltic Eight sobre a Ucrânia

    Fronteiras Invioláveis: A Posição do Northern-Baltic Eight sobre a Ucrânia


    Contexto da declaração conjunta

    O que é o Northern-Baltic Eight?

    Relação do grupo com a OTAN e a segurança europeia

    Consequências geopolíticas da posição adotada


    O Northern-Baltic Eight (NB8) reúne Dinamarca, Estônia, Finlândia, Islândia, Letônia, Lituânia, Noruega e Suécia. Trata-se de um fórum regional de cooperação política e econômica que, embora não seja uma organização formal com tratado constitutivo, atua de forma coordenada em questões de segurança, diplomacia e integração europeia.

    O grupo é formado por países nórdicos e bálticos que compartilham interesses estratégicos no Mar Báltico e no Ártico, áreas de crescente importância geopolítica.

    A declaração recente do NB8 reafirma que as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia são invioláveis e não podem ser alteradas pela força.

    O texto defende que a paz só será possível por meio de diplomacia firme, apoio militar e econômico contínuo à Ucrânia e pressão constante sobre a Rússia para interromper sua ofensiva.

    Os líderes ressaltam que qualquer negociação só deve ocorrer após a implementação de um cessar-fogo efetivo, de forma a preservar os interesses de segurança da Ucrânia e da Europa.

    O posicionamento do NB8 também reflete o alinhamento estratégico da maioria de seus membros com a OTAN. Atualmente, todos os oito países integram a Aliança Atlântica, com a Islândia, Dinamarca e Noruega como membros históricos, enquanto Estônia, Letônia e Lituânia aderiram em 2004, e Finlândia e Suécia se tornaram membros recentemente, em 2023 e 2024. Essa integração fortalece a capacidade de defesa coletiva e a interoperabilidade militar, permitindo respostas coordenadas diante de ameaças como a guerra na Ucrânia.

    A posição do grupo é um sinal político claro para Moscou e para a comunidade internacional de que qualquer tentativa de legitimar a ocupação de territórios ucranianos seria inaceitável, violaria o direito internacional e criaria precedentes perigosos. Aceitar a anexação de territórios obtidos pela força poderia encorajar novos conflitos e minar a estabilidade do sistema internacional.

    O fortalecimento da atuação do NB8 ocorre em paralelo à intensificação da presença militar da OTAN no flanco norte e leste da Europa. O Mar Báltico, agora cercado quase totalmente por países da Aliança, tornou-se um ponto crítico de dissuasão contra avanços militares russos.

    Além disso, a cooperação entre NB8 e OTAN vai além do campo militar, abrangendo cibersegurança, proteção de infraestruturas críticas e vigilância no Ártico.

    Essa sinergia amplia o alcance político e militar do grupo e demonstra que, no atual cenário internacional, alianças regionais funcionam como multiplicadores de poder dentro de estruturas multilaterais maiores.

    Referências

    Ministério das Relações Exteriores da Estônia. Declaração conjunta do Northern-Baltic Eight sobre a Ucrânia. [Disponível em: https://vm.ee%5D

    Organização do Tratado do Atlântico Norte. Membros e datas de adesão. [Disponível em: https://nato.int%5D

    Conselho Nórdico de Ministros. Cooperação NB8. [Disponível em: https://www.norden.org%5D

  • Áustria repensa neutralidade militar diante da guerra na Ucrânia e debate sobre OTAN

    Áustria repensa neutralidade militar diante da guerra na Ucrânia e debate sobre OTAN

    Como a guerra na Ucrânia pressiona a revisão da neutralidade austríaca?

    Declarações da ministra Beate Meinl-Reisinger e o impacto político

    Reações internas e resistência de setores contrários à OTAN

    Perspectivas para a segurança austríaca no cenário europeu

    Desde 1955, a Áustria mantém uma posição constitucional de neutralidade permanente, evitando alianças militares e equilibrando relações com o Leste e o Oeste. A invasão russa da Ucrânia e o agravamento do ambiente estratégico europeu estão colocando essa postura histórica em debate. A recente fala da ministra das Relações Exteriores, Beate Meinl-Reisinger, afirmando que “a neutralidade por si só não nos protege”, trouxe o tema para o centro das discussões políticas e midiáticas do país.

    A neutralidade austríaca foi estabelecida após a retirada das forças aliadas no pós-guerra e tornou-se parte fundamental da identidade política do país. Neste texto, vamos examinar o contexto histórico dessa neutralidade, as declarações recentes do governo, as reações políticas internas e como a guerra na Ucrânia está influenciando o reposicionamento estratégico da Áustria. Pesquisas mostram que a maioria da população ainda defende a neutralidade, mas o clima geopolítico europeu mudou, com a Finlândia e a Suécia abandonando essa condição e ingressando na OTAN.

    Em entrevista ao jornal alemão Die Welt, Beate Meinl-Reisinger afirmou que “a neutralidade por si só não nos protege” e defendeu um debate público sobre a política de segurança da Áustria. Ela reconheceu que não existe maioria no Parlamento ou na sociedade para mudar a postura atual, mas sustentou que a discussão é necessária diante das ameaças russas e da instabilidade regional.

    A abertura para discutir a OTAN gerou forte reação de setores políticos, especialmente do Partido da Liberdade, que acusa o governo de seguir a agenda de armamento da União Europeia. Organizações e movimentos civis também anunciaram manifestações em defesa da neutralidade.

    Partidos de centro e liberais, por outro lado, defendem que a Áustria aumente seus gastos militares. A meta oficial é elevar o orçamento de defesa de cerca de 1% para 2% do PIB até 2032. A participação no programa europeu de defesa antiaérea European Sky Shield é vista como um passo relevante nesse sentido.

    O prolongamento da guerra na Ucrânia é o principal fator que está mudando a percepção sobre segurança na Áustria. A possibilidade de expansão do conflito para outras regiões da Europa aumentou a sensação de vulnerabilidade. A pressão diplomática dentro da União Europeia para que todos os membros fortaleçam sua defesa coletiva coloca a Áustria diante de escolhas estratégicas inéditas desde a Guerra Fria.

    A comparação com a Finlândia e a Suécia serve como alerta para Viena. Embora o contexto austríaco seja diferente, a experiência desses países mostra que alianças militares podem oferecer garantias de segurança que a neutralidade isolada já não consegue assegurar. O desfecho dependerá tanto do curso da guerra na Ucrânia quanto da capacidade de Viena de equilibrar sua tradição histórica com as novas demandas estratégicas.

    Referências

    Die Welt, Entrevista com Beate Meinl-Reisinger
    Daily News Hungary, Austria considers move from neutrality to NATO
    Central European Times, Austria should consider NATO membership
    Defense News, Austria is torn over age-old question of neutrality and NATO
    TVP World, Austria questions neutrality but NATO still far off
    Financial Times, Austria boosts defence amid European security concerns
    Wikipedia, Austria–NATO relations