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  • Vilnius. Uma cidade memorável

    Vilnius. Uma cidade memorável

    VILNIUS é uma cidade memorável. Depois de sobrevoar parte da Lituânia vindo da Alemanha, finalmente o avião da Lufthansa pousou no Aeroporto de Vilnius. Um aeroporto pequeno e charmoso que, ao contrário da maioria dos aeroportos do mundo, não fica distante da cidade. Na primeira vez que lá estive, fazia muito calor e na segunda muito frio. Talvez porque a própria cidade de Vilnius consiga ser quente e fria, não raramente ao mesmo tempo.

    Uma olhada pela janela, um caminhar pelas ruas e as muitas faces da intricada história desta cidade começam a ser reveladas nos detalhes da sua arquitetura. Na parte antiga da cidade, velhos prédios, muitos deles reconstituídos depois de serem devastados pelas guerras que ali foram travadas. Nas tortuosas ruas de paralelepípedo, subimos e descemos leves declives, ruas como muitas histórias para contar. Mas, muitas destas histórias, mesmo os que ali vivem, prefeririam não lembrar.

    Chegando em Vilnius

    Quando saímos abruptamente de construções antigas, ou reconstruídas como antigas, caímos na arquitetura da União Soviética. Uma arquitetura marcada pela ideia de funcionalidade, racionalidade, grandeza e modernidade. Avenidas largas e asfaltadas para uma cidade que nem tem tanto trânsito assim. Prédios quadrados, frios, brancos e cinzas de concreto sobreposto à velha arquitetura. Praças gramadas e arborizadas no verão que se convertem em um branco desolador no inverno. Com um olhar atento, vemos as marcas dos antigos mosaicos que decoravam os prédios soviéticos. Alguns deles foram substituídos por placas de propaganda, o contraste entre a velha revolução e o novo capitalismo que enfeia a cidade com seus letreiros de luz brega.

    Vilnius por Erick R. G. Zen

    Em outros espaços, principalmente nas praças e áreas públicas, há também as marcas de onde ficavam as velhas estátuas soviéticas. Lenin, Stalin, Marx, em bronze já habitaram aqueles espaços. Aos poucos, foram substituídos por heróis nacionais ou por espaços vazios. Sempre achei que os espaços vazios na arquitetura também, de alguma forma, marcam certos vazios na memória. E a memória de Vilnius é muito intricada. Possivelmente, para cada pessoa que você pergunte e, a depender da sua nacionalidade, lituana, polonesa, russa, bielorrussa vão ter uma forma diferente de contar a história desta cidade.

    As Muitas Cidades de Vilnius

    A cidade de Vilnius sofre com as muitas modernidades que buscou. Bairros novos de vidro e metal imitam a arquitetura de Nova York no seu estilo Donald Trump – mescla de vidro e metal que formam enormes caixas de sapato vertical. Vidro e metal, a marca do maior do pop-capitalismo selvagem e antiestético. Nos bairros distantes e em velhos palácios sobressaem as construções soviéticas, negadas, descuidadas e quase inteiramente decadentes. A arquitetura, que tentava de alguma forma expressar o socialismo, é vista como feia, como algo que deveria acabar… Ser esquecida até cair completamente. Não merece cuidados. Não raramente é apontada como marca de uma vergonha.

    Em meio a estas sobreposições, velhas igrejas católicas e ortodoxas e os vestígios de sinagogas. Tudo isso pode se mesclar em um único quarteirão. Da praça “soviética” onde estava um grande Lenin se pode ver uma aberração de inspiração Donald Trump por trás de uma velha igreja de séculos anteriores. Alguém que consiga fazer uma observação por Vilnius descobre os seus vários tempos históricos, sobrepostos desorganizadamente como se um quisesse se sobrepor e, desesperadamente, cobrir com urgência ao outro.

    Vilnius de Noite

    As noites de Vilnius nos seus restaurantes, nos seus bares e casas noturnas revelam os aspectos sombrios que ainda recortam a cidade. Vilnius não é uma cidade receptiva. A cidade é separada por divisas invisíveis que, não raramente, através da truculência, afrontam aqueles que ainda não conhecem seus espaços. Seus códigos. Seus símbolos.

    Vilnius por Erick R G Zen

    Existem já os espaços que esperam por turistas. São muitos! Mas saindo dos lugares destinados a estes encontramos uma Vilnius que pode te barrar na porta, de um restaurante ou bar, se você não for lituano. Que pode te rejeitar se por engano você pedir, em inglês ou lituano, para entrar em um bar frequentado por russos ou poloneses. Não, você não é bem vindo e é bom aprender isso rápido antes que acabe em alguma confusão e sem entender o motivo. Além desses grupos mais visíveis, outros descobrimos aos poucos.

    Nações e Idiomas em Vilnius

    Conto que uma vez, sentado na rodoviária esperava meu ônibus para voltar para Kaunas, onde estava hospedado. Frio, tomava um café sentado no banco de frente para a plataforma olhando os ônibus chegarem e saírem. Noto que uma das plataformas começa a ficar cheia de tralhas e sacolas e muitas mulheres que carregam cada vez mais coisas: cadeiras, pequenos móveis, caixas, comida, etc. Para onde iria tanta gente? Encosta um ônibus velho e feio cujo destino era Minsk. Os bielorrussos que conseguem sair de seu país se dirigem a Vilnius para comprar tudo o que é possível para levar para os recantos do país mais fechado da Europa. Outra comunidade ainda menos visível é a dos judeus ou descendentes que ainda preservam algo da cultura iídiche.

    Tantos idiomas que dividem as ruas da cidade aparecem nos momentos mais inusitados do dia-a-dia. Encontrei um restaurante. Entrei para comer algo com cerveja. A garçonete aparece na frente da mesa, sem sorrir, e pergunta em lituano de forma tão rápida que devo ter feito cara de assustado sem saber o que dizer. Olhou-me por um segundo e perguntou em russo. Não reagi. Ela me olha de novo e me perguntou algo em polonês. Fiquei estático olhando para ela. Finalmente, em um inglês bem arrastado me perguntou o que eu queria comer. Fico pensando em quantos lugares do mundo a garçonete de um bar fala naturalmente e espontaneamente tantos idiomas.

    Visite Mais de Uma Vez

    Vilnius tem lá seus mistérios e entender a história e os conflitos desta cidade é um desafio. Surgida miticamente do sonho de um rei. Centro dos desejos de formar o centro da União Polonesa-Lituana. Invadida a força por Napoleão, que dali quis até levar uma igreja para Paris. Centro cultural subversivo do Império Russo, ocupada por forças polonesas. Destruída pelas forças nazistas, que aniquilou a população judaica. Reinventada como capital da República da Lituânia Soviética. Hoje a cidade se esforça para se “unir” novamente à modernidade europeia.

  • Refugiados: Uma Questão Global.

    Refugiados: Uma Questão Global.

    A imigração é um direito humano! E a necessidade de buscar uma nova vida, ou simplesmente sobreviver, deve ser entendida como parte da liberdade a ser protegida. As razões para que um indivíduo busque outro país ou território para viver variam de acordo com o contexto histórico e situações locais específicas. 

    Podem ter relação com problemas econômicos, sociais, violência, guerra, invasões, entre outros. Na lista de questões que existem, ainda devemos incluir as mudanças climáticas. Essas situações levam à violação sistemática dos direitos humanos e a busca, mais do que legítima, e necessária, de refúgio. O direito ao refúgio é o direito à vida.

    Com a pandemia, houve no ano passado, um apelo global para o cessar fogo! Ou seja, uma apelo à paz, para que, em meio a emergência sanitária para tentar reduzir os problemas existentes. Contudo, o apelo não foi capaz de diminuir o número de refugiados, pelo contrário, ele cresceu em 4%.  

    Os Refugiados em Números.

    Ao contrário do que poderia ser imaginado, a pandemia provocado pela Covid-19 não reduziu o número de pessoas que buscam refúgio, pelo contrário, atualmente contamos com 82, 4 milhões de pessoas de acordo com a ACNUR, A Agência da ONU para os Refugiados no relatório Tendências Globais. 

    No final de 2020, a ACNUR tinha sob a sua tutela 20,7 milhões de refugiados. A origem e razão dos que se encontram nessa condição variam. Entre os grupos mais numerosos vale chamar a atenção para os 5,7 milhões de refugiados palestino, encontramos o resultado das políticas de Israel e os 3,9 milhões de venezuelanos, provocados pelo (des) governo de Maduro. 

    A grande maioria dos refugiados, 86%, se encontram em países vizinhos, tanto devido à facilidade de escapar, mas também pela expectativa de retorno. Os países que mais recebem refugiados são: a Turquia (pela sétima vez), Colômbia, Paquistão, Uganda e Alemanha.

    Considerando os números atuais, chama a atenção o número de menores de idade entre os refugiados, pois eles compõem 42% do total de refugiados. Como refugiados, quase um milhão de crianças nasceram entre 2018 e 2020. São crianças que podem passar anos até ganharem um novo lugar ou poderem voltar ao local de origem dos seus pais. 

    Instabilidade e refugio.

    Em sua maioria, podemos observar, que governos não democráticos e situações de autoritarismo e conflito, são os responsáveis pelo grande número de refugiados. Dos deslocados, dois terços são de apenas cinco países: Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Miammar. Países que passam por situação de guerra, conflito interno, crise e golpe de Estado. O autoritarismo e os conflitos levou a que 4,1 milhões de pessoas pedissem asilo

    A falência do Estado, como no caso da Venezuela, também chama atenção, pois muitos países não reconhecem a condição de refugiado dos venezuelanos e esses números devem ser ainda maiores. Além disso, há o caso já duradouro dos palestinos que há décadas figuram entre o maior número de refugiados e, lamentavelmente, não parece haver uma melhoria de condições no horizonte próximo. 

    As guerras civis, declaradas ou mascaradas, ainda causam o problema dos refugiados internos, pessoas que se veem obrigadas a abandonar as suas regiões dentro de um país. No total, esses somaram em 2020,  3,2 milhões de pessoas, sendo os principais países: Etiópia, Sudão, Moçambique, países do Sahel, Iêmen, Afeganistão e Colômbia.

    Um problema global. 

    Atualmente 1% da humanidade se encontra na condição de refugiado. Esse é um problema que, infelizmente, tende a permanecer e ainda ganhar outros motivos para além dos políticos, como será o caso dos refugiados climáticos, sobretudo, porque ainda precisam ser reconhecidos como tal. 

    Nesse momento, relembrando os 70 anos da Convenção de 16 de junho de 1951, é necessário repensar essas questões. Tanto para defendermos a dignidade humana e atuar contra a sua violação sistemática, quanto para pensarmos que na atualidade será necessário uma redefinição de refugiados, incluindo novos problemas que a humanidade enfrenta. 

    Fonte: https://www.acnur.org/portugues/2020/06/18/relatorio-global-do-acnur-revela-deslocamento-forcado-de-1-da-humanidade/

  • Os lituanos na Guerra Civil Espanhola

    Os lituanos na Guerra Civil Espanhola

    Os lituanos na Guerra Civil Espanhola lutaram contra o fascismo . Em julho de 1936, a Espanha entrou em Guerra Civil, quando o General Franco articulou um golpe de Estado derrubando o governo democraticamente eleito, dando início a uma ditadura. Os republicanos resistiram e, junto com as forças de esquerda, reunindo os anarquistas e comunistas, passaram a enfrentar o ditador.

    O ditador Franco buscou ajuda militar na Alemanha nazista e na Itália fascista. Os ditadores enviaram tropas “voluntárias”, assim como forneceram aviões e submarinos reforçando as forças franquistas. A ajuda militar resultou em tragédia, como o bombardeio da cidade de Guernica e Madrid.

    Do lado Republicano, a ajuda internacional também foi grande. Os movimentos antifascistas prestaram solidariedade aos combatentes republicanos. Em diversos países do mundo, notadamente na América Latina como na Argentina e em Cuba, voluntários foram mobilizadas. Desta solidariedade, grupos de esquerda se dirigiram para a Espanha e se engajaram no conflito.

    Dentre os grupos de esquerda, o mais numeroso foi organizado pelos comunistas, com o apoio da União Soviética e da Internacional Comunista. Os comunistas formaram as chamadas Brigadas Internacionais, em outubro de 1936, que chegaram a contar com quarenta mil membros.

    Os Imigrantes Lituanos na Guerra Civil

    Os imigrantes lituanos na América, que já participavam de organizações antifascistas, pois consideravam como fascista o governo lituano de Antanas Smetona, se engajaram no movimento. Os lituanos começaram a difundir a propaganda pela mobilização antifascista primeiro na América do Norte e posteriormente na América do Sul.

    A mobilização entre os lituanos reuniu voluntários para lutar na Espanha. Da Argentina, vinte e três lituanos foram combater na Espanha. Outros três da América do Sul se juntaram a eles, sendo dois do Uruguai e um do Brasil.

    Entre os lituanos radicados no Brasil, a mobilização foi menor, principalmente porque o Partido Comunista Brasileiro (PCB) estava na ilegalidade devido ao movimento (Intentona) de 1935. Assim, a difusão e mobilização de voluntários era bastante difícil, pois muitos lituanos comunistas estavam nos calabouços de Getúlio Vargas naqueles anos.

    Meu livro

    No meu livro Identidade em Conflito em dediquei um capítulo inteiro a mobilização antifascista dos lituanos na América do Sul. Vale você conhecer essa atuação dos lituanos. Aqui

  • Sanders: a solidão e a imagem do fim de uma geração. (Crônica do dia)

    Sanders: a solidão e a imagem do fim de uma geração. (Crônica do dia)

    A solidão de Sanders é a imagem do fim de uma geração. O Senador se tornou o meme mais compartilhado no dia, e nos dias seguintes, ao da posse do presidente Biden. A fotografia de Bernie Sanders solitário, com frio, sentado tranquilamente, em uma pose que parecia de Yoga. Como os tempos são difíceis estava mascarado, como pede os protocolos de segurança e o bom senso em tempos pandêmicos. A imagem virou a graça da internet que o recortou e colocou nas mais diferentes e risíveis situações. São assim os memes! Mas a solidão de Sanders pode ser bem interpretada como o fim de uma era para esquerda.

    Ao longo de toda sua carreira como ativista social e político, Sanders sempre buscou unir duas pontas da política: o socialismo e a democracia. Socialismo entendido como a busca pela igualdade. Democracia compreendida como participação popular, representação e as liberdade civis. As duas pontas se uniam na ideia de que é possível, dentro do jogo democrático norte americano, formar uma sociedade livre e igualitária. Ou ao menos, mais livre e mais igualitária do que a atual. (Sobre as ideias de Sanders)

    Sanders e a Defesa do Socialismo Democrático.

    Sanders veio de uma geração talhada pelas dificuldades do pós-segunda guerra mundial. Como um judeu do Brooklyn passou pelas dificuldades de um trabalhador e as discriminações (antissemitismo) que ainda eram recorrentes. Aproveitou as oportunidades do crescimento econômico das décadas de 1950, 1960 e 1970 para se formar intelectualmente. Ao mesmo tempo, viu a desigualdade em um país racista. A luta dos negros pelos direitos civis e a luta contra as intervenções militares e pela paz marcaram os seus anos de formação. Ele se uniu a elas e foi preso.

    A luta de Sanders estava pautada na visão que se formou naqueles anos. Mais tarde, como governador e Senador as colocou em prática. Votou, e foi um dos poucos, contra a guerra no Iraque, contrariando os líderes de seu partido. Lutou por um sistema de saúde público, pelos direitos das mulheres, negros e latinos. Por sua postura foi ridicularizado, até mesmo por Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos e por Kamala Harris, a primeira mulher negra, latina e asiática, a ser vice-presidente.

    A solidão de Sanders, na posse, contrasta com as praças que lotou em 2015 e 2016, com multidões que o seguia entusiasmada. Ainda assim, ele foi derrotado por Hilary Clinton, a burocracia do Partido Democrático e o status quo liberal. A história nós sabemos. Ele caiu fora. Clinton foi derrotada. Anos de desastre se seguiram com Trump.

    A esperança reacendeu! Novamente, Sanders poderia derrotar todos os pré-candidatos Democratas, mas o partido se uniu contra ele. Coisas terríveis e mentirosas foram espalhadas. Ele venceu prévias, mas a pandemia… A pandemia mudou o jogo! O Partido se uniu e Biden, vice de Obama foi o escolhido. Acabava ali a última oportunidade de uma geração de socialistas democratas chegar ao poder.

    O fim? O Destino de Sanders e Corbyn…

    Quase ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, Jeremy Corbyn, foi derrotado por seu próprio partido. Em comum, os dois, acreditavam que era possível, aos poucos, dentro do sistema, levar a ideia de igualdade e democracia adiante… Não conseguiram! Com a suas derrotas foram derrotadas também toda uma geração de lutadores sociais. Sanders, como Corbyn, estão solitários e mais longe do poder.

    A sorte é que talvez eles já tenham inspirado uma nova geração. Na foto, Sanders está só, mas é só na fotografia! Com ele, há uma multidão de jovens já lutando com os mesmos ideais e que não esqueceram da luta, da coerência e dos discursos dele. Ele saiu da disputa pela presidência, tornou uma inspiração.

  • Lituânia, o massacre de janeiro de 1991 (História)

    Lituânia, o massacre de janeiro de 1991 (História)

    Nesse ano de 2021, lembramos os trinta anos da independência da Lituânia e do massacre ocorrido em Vilnius, quando o país lutava pela sua independência, no momento em que a União Soviética entrava em colapso. Para lembrarmos esses eventos, recupero, em parte, uma narrativa que publiquei no livro Báltico, publicado no ano passado.

    É importante lembrarmos que até hoje existem disputas sobre essa narrativa, bancadas por saudosistas da União Soviética e até mesmo (incrivelmente) do genocida Stalin. A propaganda política, nos usos, por seus interesses geopolíticos contemporâneos tem por objetivo esconder e criar versões mentirosas. Assim, recuperamos ainda que brevemente.

    Enquanto o mundo assistia pela televisão à capital do Iraque sendo bombardeada pelos Estados Unidos e seus aliados, na primeira guerra do Golfo, Gorbachev aproveitava o que restava da cortina de ferro para enviar as forças militares para o Báltico. No dia 7 de janeiro, Mikhail Gorbachev e Dmitry Yazov deram ordem para que as Repúblicas Soviéticas fossem ocupadas.

    Entre 8 e 9 de janeiro, unidades militares começaram a chegar à Lituânia, entre elas as tropas antiterroristas, grupos de assalto e divisões que estavam baseadas em Pskov. No dia seguinte, Gorbachev se dirigiu ao Conselho Supremo exigindo a restauração da União Soviética na Lituânia e revogou as leis consideradas anticonstitucionais. Os oficiais lituanos solicitaram que não fossem enviadas mais tropas, mas não receberam resposta. Era o sinal do que começaria a acontecer no dia seguinte.

    O governo lituano recebeu um ultimatum e às 11h50 da manhã, os prédios públicos e a imprensa começaram a ser ocupados por forças militares na capital e nas principais cidades. Aqueles que tentaram resistir foram recebidos a bala e centenas de pessoas ficaram feridas. As tropas também começaram a tomar as estações de trem que ficaram interrompidas por várias horas. Enquanto as tropas se posicionavam em pontos estratégicos, os comunistas fiéis a Moscou, tentavam for- mar um governo paralelo na sede do Partido Comunista. O governo de fato, buscava contato com Moscou para evitar mais violência, mas não teve sucesso.

    Na madrugada, a população começou a circular formando cordões humanos para defender os principais prédios que ainda não haviam sido tomados pelos soviéticos, principalmente a rádio, a televisão, a sede do governo e de telefonia. Na noite do dia 12 para o dia 13, os tanques soviéticos começaram a entrar em Vilnius. Ao se aproxima- rem da torre de televisão, gás lacrimogêneo foi lançado e teve início o confronto. Os soviéticos atiraram e catorze pessoas foram assassina- das, duas foram atropeladas pelos tanques. As duas horas da manhã, os soviéticos tomaram a televisão de assalto. A última imagem que se pode ver da transmissão ao vivo foi a de um soldado na frente da câmera arrastando a jornalista e interrompendo a transmissão.

    Meia hora depois da tomada da televisão em Vilnius. Na cidade de Kaunas, de um pequeno estúdio, que era usado para transmissões daquela cidade, entrou em funcionamento. Eles utilizaram também ondas curtas para transmitir para o mundo sobre os acontecimentos. Uma televisão da Suécia captou os sinais e passou a retransmitir.

    A cortina de ferro da comunicação foi rompida em definitivo. Dos Estados Unidos e de outras partes da América, incluindo do Brasil, as comunidades lituanas no mundo começaram a enviar informações para imprensa de seus países, organizaram protestos, pressionaram para que a informação do confronto na Lituânia pudesse circular. O medo era que protegido pela censura o governo soviético produzisse um massacre nas ruas.

    Com as comunicações re-estabelecidas na Lituânia, a população foi às ruas e barricadas começaram a ser montadas. Colunas humanas protegendo os prédios desafiaram o poder militar soviético. O governo, protegido pela multidão, enviou mensagens para o mundo pedindo apoio. Os apelos foram atendidos pela Noruega que levou a questão à ONU. A Polônia expressou solidariedade e denunciou as ações do exército soviético. Nos dias seguintes, Gorbachev, Dimitry Yazov e Boris Pugo negaram que tivessem dado ordem de usar munição ou a força. Até hoje, na Rússia, tenta-se alimentar alguma controvérsia sobre o acontecimento e ressaltam que um soldado soviético também foi morto no conflito.

    Como as informações se difundiram pelo o ocidente nos dias seguintes não houve mais confrontos significativos, embora a Lituânia continuasse militarmente ocupada. Em 20 de janeiro, uma delegação da Islândia chegou a Vilnius para acompanhar os eventos. O Ministro de Relações Exteriores Jón Baldvin Hannibalsson fez declarações sobre a possibilidade de reconhecer a independência da Lituânia e, de fato, no dia 4 de fevereiro a Islândia foi o primeiro país a reconhecer a Lituânia independente.”

    ZEN, Erick R. G. Báltico. A História da Estônia, Letônia e Lituânia. São Paulo: Almedina, Edições 70.

    Para adquirir o livro Báltico AQUI

  • A política não é mais sobre entender. É sobre sentir.

    A política não é mais sobre entender. É sobre sentir.

    A política não é mais sobre entender. É sobre sentir! Esse título é uma provocação, mas me acompanhe, por favor. Vejo a maior parte dos meus amigos inconformados, e sou solidário a eles, com toda essa irracionalidade e estupidez que nos cerca nesses dias difíceis. Justo! Mas observe. Vocês estão reagindo fazendo campanhas de esclarecimento. Oferecendo argumentos racionais para lidar com o que aparece como irracional.

    No entanto, e eis a questão, a política nesse tempo de radicalismo está sendo guiada pelo sentir e não pelo pensar. Por isso, os argumentos racionais estão batendo em uma parede impenetrável. Eu sei que a política sempre foi carregada de sentimentos, mas o que temos aqui é que a mídia, as novas formas de comunicação, trabalham com o sentir e não mais com o pensar.

    Sentimento e mídia

    Hoje, a televisão não te diz mais o que você deve pensar, mas o que você deve sentir. Vocês devem se lembrar quando os Titans cantavam: “a televisão me deixou burro, muito burro de mais”, pois bem! Agora, a televisão não te deixa burro, ela te deixa paranóico, histérico, sentimentaloide, amedrontado… A televisão, hoje, trabalha com o pavor e não mais com a ignorância. O mesmo para todas as outras mídias e formas de comunicação.

    Portando, os gráficos, esquemas, longas explicações que apelam à razão não chegam naqueles que estão mobilizados por sentimentos. Por isso, o líder carismático, pode fazer um discursos totalmente irracional e sem coerência interna nenhuma, se uma ou duas frases desse discurso mobilizarem sentimentos. Ele te diz o que você deve sentir!

    Assim, a análise do discurso do líder carismático deve buscar essas frases, esses pontos e não a sua lógica ou a coerência. Observe os apelos a libido, ao medo, ao ódio e sobretudo a sexualidade (que é uma sínteses de tudo isso), que pode ser simplificado na frase:

    – “Você vai virar viado!”

    A Política e o medo. O medo da política

    Nos momentos de medo, frustração, isolamento, tédio, ansiedade, etc. Esses apelos sentimentais são ainda mais ressonantes. O medo é o sentimento mais fácil de ser mobilizado. É o mais irracional! Por que?Porque o medo foi fundamental para que nós nos tornássemos a espécie dominante. O medo é parte de nós. Nós assumimos sempre a pior hipótese. É parte do nosso cérebro:

    Se o mato está se mexendo é melhor que você assuma que ali tenha uma onça. Se não tiver você só gastou energia para correr. Se for uma onça você teve chance de se salvar. Se você assumir que é vento e tiver uma onça você está morto! Assim, sobrevivemos! Assumindo que sempre há uma onça. Mas o medo, tão nosso, pode ser manipulado e estimulado se alguém ficar gritando: onça, onça. E digo mais: Onça! Você sempre vai correr.

    Ao aprender a manipular medos e sentimentos, as redes sociais, mídias e aqueles que aprenderam a lidar com ela souberam estimular o medo. Vivemos com medo e o medo não permite ser analítico. O medo supera a análise! Quais medos?Medo de se descobrir gay, vai ter o machão! Medo de ser governado pelo desconhecido, medo de ter que viver outra forma de vida, medo de morrer sem entender o motivo…

    O desafio é como quebrar esse medo? Como superar essa irracionalidade estimulada pelo medo? Eu proponho que a forma de não sentir medo é pela revolta! Sejamos revoltados.

  • A Fotografia do passaporte e a história: gênero.

    A Fotografia do passaporte e a história: gênero.

    Família Godliauskas, Passaporte

    A fotografia no passaporte revelam histórias que estão para além dos rostos dos imigrantes. É o caso do passaporte da minha família, Godliauskas. Depois de muitos anos, consegui pela primeira vez ter acesso a um dos passaportes utilizados para família godliauskas, quando imigraram da Lituânia para o Brasil.

    Neste passaporte, encontrei diversas referências sobre a trajetória da minha família que até então desconhecia. Entre elas, a data exata da imigração. A datas e locais de saída e chegada. O local da última residência, entre outros detalhes de suas trajetórias.

    A fotografia do passaporte, com toda a família, mostrava algo um pouco mais sensível e pessoal: os rostos, as expressões nos olhares, as caras de assustados diante da maquina fotográfica ou do futuro incerto que os esperava em terras distantes.

    Como historiador empolgado em investigar, comecei a mostrar a foto para um e para outro. Ao mostrar para uma amiga, ela me perguntou: por que estão todos os membros da família em uma mesma foto de passaporte?

    Boa questão!

    Fotografia Imigração e História de Gênero.

    Eu não tinha muita ideia do que responder na hora. Passando a empolgação e olhando mais cuidadosamente me dei conta de que aquela foto, para um documento oficial, também nos comunica uma história de gênero. Primeiro é preciso notar que o documento é da minha bisavó. No documento está explicitamente escrito: “autorizada a viajar somente acompanhada do marido”.

    Na Europa, do início do século XX, em particular na Lituânia, ao se solicitar ao governo um documento cabia ao homem estabelecer se a mulher poderia viajar sozinha ou não!

    Por essa razão, as mulheres, não autorizada a viajar sozinhas eram fotografadas junto ao marido nos documentos oficiais. Assim, as autoridades nas fronteiras dos países, nas estações de trem e nos portos deveriam verificar pela foto a identidade dos dois (marido e esposa) antes de autorizar o embarque ou desembarque, a entrada e saída de um país para o outro.

    No limite, essa ação do Estado, por meio de sua burocracia, impedia a circulação das mulheres desacompanhadas de seu marido!

    Na fotografia está a minha avó, a primeira da esquerda para a direita, e seus irmãos, pois como eram menores de idade, não tinham um passaporte próprio e seus nomes eram colocados no passaporte da mulher. Dessa forma, para se deslocar de um país a outro de forma oficial e regular a família necessariamente teria que estar sempre junta ou seria impedida pelas autoridades estatais.

  • Hiperinflação: uma memória quase afetiva.

    Hiperinflação: uma memória quase afetiva.

    Para quem nasceu depois do período de hiperinflação, eu quero compartilhar como era viver nesse mundo, usando minha memória quase afetiva. Afinal, “a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”, diria Albert Einstein.

    A hiperinflação na minha infância.

    1 – Quando tinha idade suficiente para comprar na cantina da escola, minha mãe me dava uma nota de 100 (não lembro a moeda) na primeira semana, com ela, eu comprava um salgado, um “refri” e vinte balinhas (aquela vermelha embrulhada em papel prateado). Eu enchi o bolso de balinhas me sentia rico por isso. Na semana seguinte, com os mesmos 100, vinham dez balinhas e na outra cinco… No final do mês, minha mãe me dava uma nota de 100 e uma de 50 e só dava comprava o salgado o “refri” e sete balinhas. Enfim, nunca mais enchi os bolsos de balinhas.

    2 – Como os preços mudavam quase todo dia, e na época eram marcados com etiqueta no produto, o supermercado virava uma caça ao tesouro. A aventura era buscar as latas que estavam com preço “antigo”. Aí você enfiava a mão na prateleira e ficava buscando as latas lá no fundo. Eu era “pró” em achar lata de pêssego em caldas e achocolatado, com preço antigo.

    3 – Quando meus pais recebiam o salário, saiamos como doidos para fazer compras, já que no outro dia poderia estar mais caro, e dependendo da época faltar produtos. Pena que tudo mundo fazia a mesma coisa. Os supermercados tinham filas enormes e pessoas com dois três carrinhos, comprando tudo o que dava no mesmo dia. Alguns supermercados limitavam um carrinho por pessoa, mas aí as famílias inteiras se aventuravam nos supermercados. Era o dia do supermercado.

    4 – Fila da Coca-Cola era outro problema e quando tinha promoção dobrava! Dobrava, triplicava. Eram as garrafas de vidro em

    Na Casa da Classe Média

    5 – A galera da classe média tinha freezer em casa. Tinha um freezer que era um pouco menor que a geladeira. E tinha (mais chic) a geladeira com duas portas. Porque você tinha que comprar tudo de uma vez, então você comprava toda a mistura do mês (as vezes de dois meses) e congelava. Era um tal de congelar carne moída, salsicha (sim salsicha!) e frango. O Freezer tinha que estar cheio, porque como energia custa, só é viável se ele estiver todo cheio.

    6- Naquele período de hiperinflação também houve, na classe média, a acessibilidade ao microondas. Então, eram um tal de congelar no freezer e descongelar no microondas. Até pão! Sim, pão…

    7 – Combustível também era um problema. Os carros consumiam muito na época e era gasolina ou álcool. As filas se espremiam pelas avenidas até chagar no posto. Alguns com preços suspeitos, muito suspeitos. Mas tanque cheio e ir equilibrando no mês era fundamental para “chegar ao fim do mês”.

    E Se Não Fosse o Humor…

    8 – O gatilho salarial era quando o acumulado da inflação chegava em 20%, os salários eram automaticamente reajustados. Ou seja, basicamente você diminuía o consumo da galera e quando estava prestes a matar o consumo (e as pessoas de fome) você reajustava o salário em uma pancada. Óbvio que deu errado, porque quando o salário era reajustado todo mundo reajustava tudo e a inflação ia para a lua.

    Para fazer piada, com o que já era piada, Jô Soares, que tinha um quadro que chamava O Jornal do Gordo um “jornal para as pessoas mais ou menos surdas”. Um comediante lia a notícia e o Jo interpretava de forma distorcida com gestos e objetos. Daí liam a noticia lá: “De acordo com o Ministro fulano o gatilho vai disparar nesse mês.”Eu o Jo saia berrando: “o gatilho! O gatilho vai disparar” e puxava uma arma e sai dando tiro “vai disparar o gatilhooo! “ Melhor que essa era só o: “Bota ponta Tele!”(Sim na época ainda se jogava futebol com ponta esquerda e ponta direita)

    Jornal do Gordo.

  • Biden e a Esquerda: o caminho para a decepção.

    Biden e a Esquerda: o caminho para a decepção.

    Não temos a menor dúvida de que o embate entre Trump e Biden será fundamental para os rumos da política em escala global. De forma até exagerada se enxerga um embate entre a civilização e a barbárie, ou entre a democracia e a demagogia (populismo) autoritário. Por essa razão, a esquerda, com excessões, tem se entusiasmado com a provável vitória do candidato Democrata, Joe Biden.

    No Brasil, a esquerda, particularmente a militante de partido, torce muito, pois entende que essa vitória fará o que ela não consegue fazer: derrubar, ou ao menos fragilizar, o atual governo. Para nós, Biden é o caminho certo para a decepção da esquerda, em todos os lugares.

    Nós sabemos quem é ele

    Os pensadores de esquerda nos Estados Unidos, seja aqueles que atuam junto aos Democratas ou não, sabem quem é o político pragmático, negociador e centrista Joe Biden. Bastaria lembrar que ele foi escolhido para ser vice de Obama como uma forma de acalmar o status quo Democrata diante do “radicalismo” que representava as propostas apresentadas Obama (“Yes, We can”) e a candidatura de um negro para a Casa Branca. Quando Obama superou a Hillary Clinton, Biden era, naquele momento, a certeza do equilíbrio e da manutenção do status quo para os Democratas e seus eleitores.

    Por essas características, muitos prefeririam ter lançado ele e não Hillary, em 2016. No entanto, devido a uma tragédia pessoal, Biden preferiu não se candidatar. Em 2020, nesse ano complicado, ele apareceu novamente como essa figura estável e conciliadora, incapaz de sustentar qualquer dogma ou algo que não possa ser mudado de acordo com a conveniência do momento, dentro dos parâmetros estabelecidos pelos Democratas.

    É mais fácil…

    Essa visão fica evidente, no apoio, com ressalvas, que recebe de Bernie Sanders (ver meu artigo de 2016). Sanders sempre afirma ter diferença com Biden, mas ressalta saber que ele é um homem decente, que respeita as regras do jogo e que respeita principalmente “a democracia”, entendendo a democracia aqui como o sistema eleitoral / legal dos Estados Unidos.

    Assim, a esquerda americana está dizendo para quem queira escutar: “é mais fácil sobreviver no neoliberalismo formalmente democrático regido por Biden do que caminhar para uma nova forma de fascismo, com um demagogo, autoritário, megalomaníaco. Por isso, vote em Biden e é só isso mesmo!”

    Nas suas atitudes e nos debates, Biden fez questão de jogar baldes de água fria na esquerda que atua entre os Democratas e foram muitos os baldes… Vamos a alguns exemplos.

    Um grande balde de água fria é a estratégia de atrair os Republicanos que se afastaram de Trump (ou do trumpismo). Entre eles, o governador Republicano de Michigan Rick Snyder que responde pela acusação de ser o responsável pela contaminação da água da cidade de Flint. (ver aqui). Os movimentos sociais estão há anos lutando contra ele e seu governo.

    A água fria nos debates

    Nos dois debates, Biden jogou vários baldes de água fria na esquerda. Alguns deles foram bem discretos. No primeiro, marcado pelo caos, uma questão passou quase desapercebida: a do Green New Deal. Lembrando: essa é a proposta da esquerda Democrata para que os EUA se tornem uma economia verde. Durante o debate, Biden afirmou que ele não implantará o programa denominado Green New Deal, mas na plataforma dele estava lá. Em suma: ele afirmou que não implementará a principal bandeira da esquerda que vinha com Sanders.

    No segundo debate, sem usar a expressão Green New Deal, ele retomou o tema, usando a palavra “transição”, ou seja, na cabeça dele, é possível passar para a economia verde sem perder a os investimentos e afetar os empregos no carvão e no petróleo, por exemplo. Será?

    De toda forma, ele tentou agradar a esquerda sem desagradar aos que dependem ainda das outras formas de atividades econômicas. Obviamente, Trump tentou associar a isso a uma forma de socialismo, o que não deu certo. Ainda assim, logo após os debates, os Democratas ligados a sua campanha saíram em defesa da indústria do carvão e do Petróleo, nada de Green New Deal, portanto.

    No mesmo debate, Biden, ao ser associado aos projetos de Sanders por Trump, lembrou que ele não é socialista! E foi além! Lembrou que ele é Biden! O que derrotou os outros projetos! (não tinha conciliado?) E isso quando respondia sobre saúde. Em outras palavras, Biden descartou aderir ao programa de saúde pública e para todos, como pretendia Sanders. O mesmo, vale dizer, para a educação. Ou seja, os projetos de Sanders, representantes dos Democratas socialistas foram todos descartados!

    Biden e o Brasil

    A esquerda brasileira também não deve nutrir ilusões com relação a Biden. Primeiro, porque o Brasil e continuará a ser estratégico independente dos governos nos dois países. Segundo, porque a luta contra o avanço da influência da China é a única coisa que unifica os dois partidos e nisso, o Brasil, ainda está em disputa. Assim, o que veremos é uma mudança da forma, mas não o abandono do país nas relações estratégicas, como isso será articulado com o bolsonarismo é que é a questão.

    Os Democratas costumam oferecer vantagens aos países que querem manter boas relações, ou manter o diálogo aberto. O provável, nessa relação, entre crítica e oferecimento de vantagens, é que Biden vai buscar atuar. O efeito no Brasil, para o bolsonarismo, talvez seja mais forte no aspecto simbólico e de perda de narrativa do que de uma ação direta do governo americano. Aqui é preciso lembrar que grande parte dos investimentos estrangeiros já saíram do país. Assim, é pouco provável que o governo Biden faça aquilo que a esquerda brasileira não está conseguindo fazer…

    Com Biden… Estaremos mais confortáveis

    Em todos os cantos do mundo, em todas as alas progressistas há uma torcida por Joe Biden. Ela vai durar até o dia da sua vitória (se ela se confirmar). No dia seguinte, já ficou obvio, que ele não fará um governo de esquerda e nem mesmo progressista. Não vai assumir os compromissos de Sanders e dos Democratas Socialistas que tanto lutaram para o eleger.

    A esquerda nutre a ilusão de que é mais fácil lutar dentro das regras do jogo liberal democrática do que contra as forças que trouxeram Trump ao poder. Mas será mesmo? Se fosse fácil derrotar o neoliberalismo ela já teria conseguido. Teve oportunidades em todos os continentes e não foi o neoliberalismo o derrotado. O Brasil é um ótimo exemplo disso. Talvez a esquerda esteja apenas mais confortável no neoliberalismo.

    Nele, a esquerda, pode livremente adotar bandeiras novas, movimentos novos, fazer longos discursos e manifestações. Pode ainda publicar os seus livros, podcasts, canais no youtube, blogs (como esse) e manifestos. Pode ainda louvar e se acostumar com as derrotas e ver nela um princípio moral, quase cristão, “sou perseguido e injustiçado, por isso estou certo”…. Mas a esquerda, na sua zona confortável, nunca derrotará ninguém. Ainda assim, espero que a esquerda americana resolva sair de casa e votar em Biden.