Crônica escrita em 2010.
Em um dia frio em Kaunas entrei no trem para ir a Vilnius. Mais um dia de trabalho! O Arquivo histórico do antigo Partido Comunista me esperava e eu por ele. Ainda com sono, completamente descolado no fuso horário, me atirei na poltrona nova do trem rápido. Rápido era só o nome da linha e não tem relação com a real velocidade do treco. Olhei pela janela. Gelo no chão. Arvores peladas. Passarinhos escondidos.
Na poltrona, do outro lado do corredor, uma menina com mala e mochila virava e revirava um monte de mapas e livretos. Me olhou! Olhou para o mapa! Percebeu que eu era estrangeiro? Com certeza.
Me olhou novamente e chegou perto. Com um inglês cheio de RRRRRRR e SSSSSS, me perguntou alguma coisa sobre um lugar que eu não tinha a menor ideia de onde ficava. Depois perguntou sobre outro lugar que consegui localizar no mapa. Ela queria ir para a cidade velha em Vilnius, um hostel. Problema resolvido com os mapas. Ficou ali sentada do meu lado. Silêncio constrangedor. Para puxar um papo, fiz aquela pergunta muito útil: de onde você é?
– Da Eslovênia – me respondeu tirando a franja e arregalando os seus enormes olhos azuis que contrasta com sua pele branca e a sobrancelha negras como seus cabelos longos – Conhece?
– Não… Nunca fui aos Balcãs…
– Balcãs? No!!! No, Eslovênia não fica nos Balcãs – me olhou feio. Quase indignada
– Ahhhhhh. Não?
– Não! Fica nos Alpes. É um país Alpino!
Putz ! Além de ignorante me senti velho. Estudei geografia no final da Guerra Fria. Em um tempo em que tudo o que ficava para lá de Berlim era Leste Europeu. Agora o Leste Europeu acabou. Ninguém mais quer ser do Leste. Assim como não querem ser mais Balcãs.
Os países andam inventando a sua própria geografia para se reinventar no Ocidente. Quanto mais no Ocidente melhor. Ocidente é… Digamos, União Européia. Para os eslovenos, que foram um dos primeiros do “Leste” a serem aceitos na União Européia, é mais interessante inventar uma identificação com a Austria e com a Itália do que com a Sérvia. Viraram Alpino!
Em Vilnius, você pode ir ao centro da cidade e pedir um diploma autenticado afirmando que você esteve no centro geográfico da Europa. Coisa inútil! Imagina colocar uma coisa dessas na parede da sua casa. A função desse papel é simplesmente afirmar: “não estamos no Leste. Esqueça a União Soviética e aquela geografia”.
Seja como for, minha ida para Vilnius seguiu silenciosa. A menina voltou para a sua poltrona. Maldita geografia pós-Soviética…
Para mim, Alpino continua sendo o chocolate duro e doce embrulhado no papel dourado. Assim como o centro da Europa continua sendo Berlim queiram ou não. (isso foi uma ironia!).