Hiperinflação: uma memória quase afetiva.

Para quem nasceu depois do período de hiperinflação, eu quero compartilhar como era viver nesse mundo, usando minha memória quase afetiva. Afinal, “a distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente”, diria Albert Einstein.

A hiperinflação na minha infância.

1 – Quando tinha idade suficiente para comprar na cantina da escola, minha mãe me dava uma nota de 100 (não lembro a moeda) na primeira semana, com ela, eu comprava um salgado, um “refri” e vinte balinhas (aquela vermelha embrulhada em papel prateado). Eu enchi o bolso de balinhas me sentia rico por isso. Na semana seguinte, com os mesmos 100, vinham dez balinhas e na outra cinco… No final do mês, minha mãe me dava uma nota de 100 e uma de 50 e só dava comprava o salgado o “refri” e sete balinhas. Enfim, nunca mais enchi os bolsos de balinhas.

2 – Como os preços mudavam quase todo dia, e na época eram marcados com etiqueta no produto, o supermercado virava uma caça ao tesouro. A aventura era buscar as latas que estavam com preço “antigo”. Aí você enfiava a mão na prateleira e ficava buscando as latas lá no fundo. Eu era “pró” em achar lata de pêssego em caldas e achocolatado, com preço antigo.

3 – Quando meus pais recebiam o salário, saiamos como doidos para fazer compras, já que no outro dia poderia estar mais caro, e dependendo da época faltar produtos. Pena que tudo mundo fazia a mesma coisa. Os supermercados tinham filas enormes e pessoas com dois três carrinhos, comprando tudo o que dava no mesmo dia. Alguns supermercados limitavam um carrinho por pessoa, mas aí as famílias inteiras se aventuravam nos supermercados. Era o dia do supermercado.

4 – Fila da Coca-Cola era outro problema e quando tinha promoção dobrava! Dobrava, triplicava. Eram as garrafas de vidro em

Na Casa da Classe Média

5 – A galera da classe média tinha freezer em casa. Tinha um freezer que era um pouco menor que a geladeira. E tinha (mais chic) a geladeira com duas portas. Porque você tinha que comprar tudo de uma vez, então você comprava toda a mistura do mês (as vezes de dois meses) e congelava. Era um tal de congelar carne moída, salsicha (sim salsicha!) e frango. O Freezer tinha que estar cheio, porque como energia custa, só é viável se ele estiver todo cheio.

6- Naquele período de hiperinflação também houve, na classe média, a acessibilidade ao microondas. Então, eram um tal de congelar no freezer e descongelar no microondas. Até pão! Sim, pão…

7 – Combustível também era um problema. Os carros consumiam muito na época e era gasolina ou álcool. As filas se espremiam pelas avenidas até chagar no posto. Alguns com preços suspeitos, muito suspeitos. Mas tanque cheio e ir equilibrando no mês era fundamental para “chegar ao fim do mês”.

E Se Não Fosse o Humor…

8 – O gatilho salarial era quando o acumulado da inflação chegava em 20%, os salários eram automaticamente reajustados. Ou seja, basicamente você diminuía o consumo da galera e quando estava prestes a matar o consumo (e as pessoas de fome) você reajustava o salário em uma pancada. Óbvio que deu errado, porque quando o salário era reajustado todo mundo reajustava tudo e a inflação ia para a lua.

Para fazer piada, com o que já era piada, Jô Soares, que tinha um quadro que chamava O Jornal do Gordo um “jornal para as pessoas mais ou menos surdas”. Um comediante lia a notícia e o Jo interpretava de forma distorcida com gestos e objetos. Daí liam a noticia lá: “De acordo com o Ministro fulano o gatilho vai disparar nesse mês.”Eu o Jo saia berrando: “o gatilho! O gatilho vai disparar” e puxava uma arma e sai dando tiro “vai disparar o gatilhooo! “ Melhor que essa era só o: “Bota ponta Tele!”(Sim na época ainda se jogava futebol com ponta esquerda e ponta direita)

Jornal do Gordo.

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